Pois bem: Este é o último post deste espaço. Com a limagem do kit.net e a conseqüente mão-de-obra recorrente das mudanças acarretadas pelo fato, decidi extingüir a existência do Baby Let's Rock! Já vinha a algum tempo tendo dificuldades para manter o lance em plena atividade, tendo de escrever algumas coisas à bala para não comprometer a continuidade do espaço. Como não trabalho na área de comunicação, minha atividade relacionada a textos está estritamente ligada às horas de lazer, cada vez mais curtas. Decidi, portanto, começar o ano deixando essa brincadeira de lado.
O mais incrível é que mesmo um blog despretensioso e 100% amador requer atenção e dedicação, ainda mais com a crescente oferta de boas fontes de leitura, feitas por gente da área e com contatos mais influentes. Levar um blog nas coxas acaba sendo contribuição ao lixo virtual e é exatamente isso que quero evitar. Portanto, até 31/01 essa mensagem fica no ar, depois disso o simpático gato aí de cima se despede e se recolhe à sua caixa de areia.
Apesar dos pesares, minha saída não é definitiva. Os amigos do peito da Dying Days, Alexandre, Fabricio e Natália concederam-me todo o espaço para manter uma coluna (coluna, huh? Que coisa mais jornalística!) no excelente site deles. É lá que estarei dando as caras, talvezcom menos freqüência, de acordo com o tempo disponível e o fluxo de textos que fizer. Desta forma, você aí pode ter acesso não só às minhas baboseiras mas aos outros textos bacanas que lá estão armazenados. Sem falar nos reviews, que têm o seu lugar garantido. O site deles vem de encontro a esse espírito amador do blog, revelando-se um lar perfeito para a continuidade desse espaço.
Agradeço a todos que perderam minutos preciosos lendo as linhas abaixo. Agradeço também aos que fizeram comentários, é muito bacana estabelecer contatos a partir de um interesse comum: a música. Um bom 2004 para todos e nos encontramos em breve lá na Dying Days.
Fui. Até mais.
ouvindo: The Smashing Pumpkins - "The Last Song". posted by V.M. at 22.1.04
15.1.04
Beastie Boys - "Check Your Head" (1992): Confesso que nunca imaginei que pudéssemos testemunhar esse fenômeno: o rap norte-americano foi importado para as paradas brasileiras. É ligar o rádio, entrar numa loja, assistir TV ou dar as caras numa festa para ser brindado com huh-huhs e hah-hahs proferidos por artistas provenientes dos guetos do Tio Sam. Rap para as grandes massas, rap atropelando culturas.
É certo que isso é moda, e que, como em qualquer moda, vai passar. Mas a distorção ou o poder de influência da indústria chegou tão longe que hoje a gurizada consome música inversamente proporcional à sua realidade. Em tempos de axé ou pagode, a contaminação era grande, mas tínhamos toda uma identificação cultural com o esquema, ou pelo menos estávamos nos comunicando em um único idioma. Mesmo com aberrações como uma prenda nascida no sul rebolando feito baiana num trio elétrico ou uma carioca de praia dançando um forró nordestino, a coisa de certa forma recebia absolvição. Mas agora ver essas mesmas pessoas levantando os braços e chacoalhando ao som de histórias que narram tiroteios, vida no gueto e conquistas de moçoilas semi-nuas sem ao menos se dar conta de que é por esses lados que a coisa caminha é no mínimo curioso. Isso sem falar que grande parte dessa turma e das rádios que promovem as modas viram as costas para o rap brasileiro, esse sim contundente e com referências que direta ou indiretamente estão ligadas a nosso cotidiano. Chega a ser irônico pensar que os rapazes e garotas que fazem média escutando Eminem atravessariam a rua antes de cruzar com o MV Bill ou com o Rappin' Hood. Não é querer perfeição ou lógica nesses modismos, mas é bom observar que esgotaram-se todas as possibilidades em termos de exploração sonora no Brasil, o que fez com que a indústria investisse nos últimos dos enlatados, que se não se relacionam conosco em termos de conteúdo filosófico, também não encaixam em nossa natureza musical. É, na verdade, forçado como qualquer instituição de mercado.
Ok. Então você está de saco cheio disso tudo e quer que esses manos sejam os primeiros a naufragar no dia do juízo final. Calma lá. O rap e o hip-hop têm algumas coisinhas interessantes até mesmo para o que vos escreve, que dificilmente permite a seu aparelho de som executar batidas rimadas e scratches. Para quem gosta de um bom rock, os Beastie Boys são a melhor pedida na aproximação das influências brancas (rock, punk) e negras (funk, hip-hop), oferecendo um crossover de influências que pode ser digerido perfeitamente por manos de periferia ou seguidores de bandas alternativas.
Esses caras começaram fazendo música punk, para em seu disco de estréia convertê-la em rock mesclado com hip-hop. Àquela época, representavam o espírito festeiro e suas letras tematizavam bagunça e provocativas brincadeiras machistas, muito mais para Moe, Larry e Curly do que para um Ice-T que enche a sua cadela de porrada. O video de "Fight For Your Right" resume a parada: uma gozação adolescente contrastante com os caminhos que eles tomariam a seguir. Caminhos que em "Paul's Boutique" levaram à uma maior fidelidade ao hip-hop, mais experimental e com resultados que finalmente poderiam ser levados à sério. Mas foi apenas em "Check Your Head" que o trio quebrou barreiras e atravessou continentes, graças à abertura da sonoridade do disco anterior para encontrar ritmos como o funk e o rock.
"Check Your Head" difere-se muito de um disco atual de rap em dois pontos: a ambiência sonora e a temática das letras. O som é bem próximo da sinceridade de estúdio, onde o baixo e o kit de bateria têm a mesma importância dos scratches, loops e samplers - ao contrário da sonoridade "pro-tools" ultra musculosa que comparece na maioria dos discos atuais do gênero. A opção deles remete ao rock, bem como as melodias e os samplers de artistas como Jimi Hendrix e Bob Dylan, referência suficiente para deixar um ouvinte de outras praias interessado. Mais maduros, eles passaram a escrever sobre as suas habilidades de vocalistas e temas que falam sobre a vida, longe do chavão carro-armas-cachorras de rappers como 2Pac. Essa evolução seguiria em frente nos álbuns seguintes, onde a transcedência budista passaria a concedê-los um nivel ainda mais respeitável. O fato é que você não precisa ter compromisso com classes sociais ou ter de imaginar-se uma pessoa que não é para curtir os Beastie Boys, talvez seja por aí o segredo da representatividade que a banda recebeu desde então.
"Jimmy James" abre o disco com a base de "Happy Birthday", música de Jimmy Hendrix. Logo se identifica a opção pela musicalidade orgânica, sejam pelos vocais diretos e pela produção garageira que afastou o som de qualquer tentação tecnológica e criou um ambiente de "gravado ao vivo". Isso sem falar no peso, que em muitos momentos se repete no disco graças a guitarras pesadas e baixos distorcidos. Outras sonoridades têm espaço e diversificam as abordagens musicais, como o funk quebrado de "Funky Boss", o hip-hop tosco de "Pass The Mic". Para deixar a coisa mais coerente, os Boys permitem instrumentos diversificados nos arranjos, que servem como temperos extra e classificam melhor as propostas musicais. Percursões e teclados enchem o espaço em "Lighten Up" e até flautas participam efusivamente em "Finger Lickin' Good". A grande novidade é a inclusão de temas instrumentais, verdadeiras homenagens à trilhas de cinema dos anos setenta, capitaneadas pelos teclados furiosos de Eric Bobo. Até o velho hardcore é ressucitado em "Time For Livin", com direito a um videoclipe clássico com imagens de skate. Encontram-se novas facetas outrora nunca imaginadas na música dos três branquelos, que receberam uma boa colaboração do produtor Mario Caldato Jr., responsável por indiretamente agregar temperos latinos à diversificada receita de "Check Your Head".
O álbum estabeleceu uma ponte amistosa entre a música roqueira que dominava os anos noventa e o hip-hop, permitindo ao público escutar um híbrido de estilos dentro do que poderia ser assimilado na época. O disco definiu a banda no contexto da música americana, o que levou-os a galgar ainda mais degraus em seus discos subseqüentes, principalmente com o sucesso do hit "Sabotage", presente no disco seguinte. Suas experimentações com baixo/guitarra/bateria tiveram mais uma chance em "Ill Comunication" sendo depois substituídas pelo electro obsessivo em "Hello Nasty", sempre comprometidas com a busca por incrementos no som. Sua gravadora, Grand Royal, foi à falência e nesse meio-tempo els ficaram sumidos, sem dar pistas sobre a conclusão ou não de um novo disco. Enquanto não aparecem novidades, "Check Your Head" e a discografia seguinte seguem como a melhor opção para quem quer requebrar, certo mano?
ouvindo: John Frusicante - "Going Inside". posted by V.M. at 15.1.04
12.1.04
John Zorn / Naked City - "Naked City" (1989): Avant-garde é um termo para definir música experimental e arrojada - anti-convencional - caso prefiras. Dentro dessa idéia, há um universo cheio de infinitas possibilidades, onde convivem o eletrônico japonês, o judaico tradicional, o jazz distorcido e qualquer outra combinação gravada diretamente da cachola de bons músicos que não têm compromisso com nada a não ser sua satisfação interior. Não é comercial, não é facilmente encontrado, não se encontra pessoas que tenham afinidade com essa proposta sonora. Isso normalmente implica em resultados extremos, viagens musicais que exigem paciência por parte do ouvinte e que por muitas vezes, não chegam a lugar algum, a não ser para o honorável que compôs a peça.
O primeiro disco que eu (e muitos colegas da minha geração) escutaram dentro dessa proposta foi a estréia do Mr. Bungle, banda de Mike Patton que herdou muitas idéias dessa vertente sonora, embora ali não as explorassem ao máximo. Ainda assim, muitos se surpreenderam e recusaram as bruscas mudanças de ritmos e o frenesi registrado no álbum, que deixou chocados muitos fãs de "Epic" e o catalogou na concepção de um ouvinte convencional como "inacessível". O produtor do disco era ninguém mais ninguém menos que John Zorn, saxofonista mestre na arte do improviso e uma das maiores bandeiras do logotipo avant garde. Para se ter uma idéia, sua predileção por música experimental chega ao extremo do cara fundar uma gravadora para abrigar músicos anti-convencionais - e o cara lança títulos a dar com pau, abrangendo as mais inimagináveis idéias musicais. A maioria de seu trabalho é composto por música de improviso, onde as notas proliferadas por seu sax fluem (e berram) de acordo com o momento, levadas pela percepção do conjunto. Longe de assumir compromisso com melodias, os instrumentos podem às vezes emular sons de animais, de gritos e alternar entre serenidade e brutalidade em instantes. Difícil mesmo é recomendar a alguém o trabalho do cara, cujos admiradores acabam se encaixando na categoria de lunáticos.
Embora inclassificável, sua obra apresenta predileções por alguns temas, que de tempos em tempos são explorados em disco: a música judaica, o jazz de improviso e as trilhas sonoras. Zorn tem uma série de música escrita para trilhas chamada "Filmworks", que hoje já conta com quatorze volumes lançados em seu selo. É justamente este terceiro tema que aparece com mais força em "Naked City".
Naked City acabou gerindo uma banda e uma idéia musical dentro desse prolífico universo. A banda, composta pelos experientes Bill Frisell, Wayne Horwitz, Fred Frith e Joey Baron, juntou-se a Zorn com a idéia de utilizar suas técnicas e ousadia musical em função da brutalidade sonora. Visivelmente influenciados por música pesada, os caras mesclaram suas particularidades e passados de jazz com outras vertentes como a surf music e as revestiram com uma cobertura grind capaz de ensurdecer qualquer metaleiro. O resultado foi um disco que equilibra bem os conceitos de avant, peso, técnica e musicalidade, tornando a coisa bem mais palatável para um ouvinte tradicional disposto a uma aventura diferente. Esquizofenia sonora seria uma boa definição.
Intercaladas entre as faixas de Zorn, que representam a maioria do material do CD, encontram-se versões para músicas de compositores de cinema como Ennio Morricone e Henry Mancini, em versões Naked City. É o caso de "The Sicilian Clan" de Morricone, que figura logo após "Batman", a faixa de abertura. As duas faixas já entregam a idéia de extremos que o álbum ocupa, comprovados pela antítese entre a empolgação da primeira e o rigor da segunda. "You Will Be Shot" é riff de surf music intercalado pela gritaria do sax de Zorn e por momentos de jazz circense, entregando a fonte de inspiração dos rapazes do Mr. Bungle. O álbum segue com momentos inusitados, como o jazz de "Latin Quartet" e a versão de "Lonely Woman" (Ornette Coleman). A cover de "A Shot In The Dark" de Mancini é fuderosa e a partir de "Igneous Ejaculation" a coisa entra no terreno do metal pesado. O convidado especial Yamatsuka Eye participa com vocais totalmente bizarros, gritados, urrados, epiléticos, que competem com o sopro de Zorn na disputa por quem consegue fazer mais barulho. Está aqui a essência da gritaria adotada por Mike Patton em sua personalidade de vocalista. Noise misturado com jazz, difícil de dizer que fora tocado por tiozinhos, ou pior, pelos mesmos caras que a poucos minutos atrás caprichavam nas belas versões sonoras de compositores clássicos. Esses caras não usam chapéu virado para trás, nem casaco Adidas, mas fazem as bases tremer com ferocidade. O negócio repentinamente converge para a calmaria em "Chinatown", de Jerry Goldsmith, volta para a pauleira em "Punk China Doll" e brinca com um misto de noise e country em "N.Y. Flat Top Box". As melodias primorosas de "Saigon Pickup" te dão a certeza de que os senhores sabem sim fazer música convencional, mas reservaram este espaço para deixar o demônio tomar conta. E é o que se escuta na divertidíssima e poderosa cover de "The James Bond Theme", sim aquela do 007, aqui em versão rápida com direito a ricochetes de bala e paradas para vômitos instrumentais. O disco termina com mais idéias musicais e demonstrações de esquizofrenia, improvisos poderosos que arrebentam as caixas de som de seu cd player.
A capa do CD mostra uma foto em preto e branco do corpo de um mafioso (?) na Los Angeles de 1940, com o revólver atirado ao chão e o sangue escuro jorrando de sua cabeça. No encarte, desenhos chineses de criaturas putrefatas. Nos agradecimentos, menção a músicos de banda de death metal como Carcass e Napalm Death. Um complemento perfeito para a aniquilação sonora que Zorn & cia. tiram do bolso, com muita experiência e naturalidade. Dê um tempo para o Metallica ou o Slayer. Som pesado e interessante está aqui.
ouvindo: Beastie Boys - "Root Down". posted by V.M. at 12.1.04
10.1.04
pepino: E aí blogueiros, vocês já devem saber que o Kit.net está hospedando os arquivos sem custo até 31/01/2004. Isso significa que em 01/02 o Baby Let's Rock! precisará de um novo local para armazenar as figuras que ilustram o espaço, bem como as artes que ornamentam este rico template. Não quero dar minha grana para a Globo, naturalmente. Tenho que definir um novo espaço com antecedência, para não deixar o troço para o c* da hora.
Sei que alguns de vocês devem estar enfrentando o mesmo problema e agradeceria se algum colega solidário pudesse indicar alguma alternativa gratuita de armazenamento de imagens. Meu espaço no Terra parece não permitir o armazenamento de imagens lincadas para outros sites (o Baby está hospedado no Blogspot gringo e linca para o kit). Portanto, caso queriam colaborar, comentem ou mandem um e-mail. O endereço está à esquerda, logo acima do contador.
ouvindo: The Mars Volta - "Inertiatic ESP". posted by V.M. at 10.1.04
Post-rock.
Na minha mira:
1) Explosions In The Sky - "Those Who Tell The Truth Shall Die"
2) Explosions In The Sky - "Earth Is Not A Cold Dead Place"
3) Mew - "Frengers"
4) Lightning Bolt - "Wonderful Rainbow"
ouvindo: Radiohead - "How To Disappear Completely". posted by V.M. at 10.1.04
ouvindo: Mogwai - "My Father My King". posted by V.M. at 9.1.04
8.1.04
Só relembrando - Em 2004 temos:
(confirmados)
- Fantômas - "Delìrivm Còrdia" (27/01);
- Melissa Auf Der Maur - "Auf Der Maur" (02/02);
- Probot (Dave Grohl) - "Probot" (10/02);
- The Eagles Of Death Metal (Josh Homme/Jesse Hughes) - "Peace, Love And Death Metal" (14/02);
- John Frusciante - "Shadows Collide With People" (24/02);
- Enemy (projeto de Troy Van Leeuwen, guitarrista do QotSA) - "Hooray For Dark Matter" (xx/02);
- Placebo - "Soulmates Never Die - Live In Paris" (DVD - 08/03);
- Isis - parte 1 de uma série de gravações ao vivo editadas pela banda (primeiro semestre);
- Mark Lanegan - "Bubblegun" (xx/xx)
- turnê de Brian Wilson executando o inacabado "SMiLE" ao vivo após uma espera de trinta e sete anos (e que muito provavelmente, a exemplo do que ocorreu com sua turnê do "Pet Sounds", deverá sair em CD/DVD).
(a confirmar)
- The Mars Volta;
- Billy Corgan solo;
- Wilco;
- projeto entre Omar do The Mars Volta, Flea e Frusciante dos RHCP.
[edit]
- ...And You Will Know Us By The Trail Of Dead
[/edit]
ouvindo: The Mars Volta - "Inertiatic ESP" posted by V.M. at 8.1.04
Um show do resenhado Mark Lanegan em dezembro de 2003 aqui
ouvindo: Oasis - "Whatever". posted by V.M. at 8.1.04
7.1.04
The Mark Lanegan Band - "Here Comes That Weird Chill / Methamphetamine Blues, Extras & Oddities" (2003): O novo EP de uma das vozes mais peculiares do rock atual é um trabalho de ruptura. Lanegan, em seu longo passado pela música, tradicionalmente reservou à sua carreira solo os traços de música americana de raiz, como o blues e o folk, distanciando-se bastante de seu trabalho no Screaming Trees. Além disso, sempre a manteve sob supervisão do parceiro Mike Johnson, que não só fazia os trabalhos instrumentais, sobretudo as guitarras, mas arranjava e participava das composições das faixas, sendo responsável por muita coisa presente nos discos anteriores do norte-americano. Johnson não participa, pela primeira vez. Assim como a gravadora Sub Pop, que após um longo período acolhendo o cantor, foi substituída pela inglesa Beggar's Banquet.
Não bastassem as mudanças de ordem técnica, o cantor vem de uma longa temporada junto aos rapazes do Queens Of The Stone Age, que incluíram seus atributos infernais nas canções de "Songs For The Deaf" e nas séries de turnês que seguiram o álbum, promovendo-o como membro oficial da banda e dando a ele uma notoriedade diferente da conquistada nos meios alternativos com sua carreira solo. Lanegan conta em sua nova banda com a contribuição dos dois cabeças do Texas, Josh Homme e Nick Oliveri, além de um conjunto de músicos familiares a quem acompanha o desenvolvimento daquela turma, como o produtor Chris Goss, Alain Johannes e Dave Catching. E apesar de todos os vínculos entre o vocalista, os músicos e o QotSA, o resultado contrariou quem esperava desta nova fase uma continuidade do que Lanegan, Homme e cia. fizeram nos últimos dois anos. Não tem o peso ou a velocidade que notabilixaram o QotSA, é mais arrastado e negativo.
"Here Comes That Weird Chill" oferece, na verdade, uma mescla entre as experimentações das Desert Sessions e os resquícios de música "pura" americana que encabeça seus trabalhos anteriores. É um disco inconstante, que flerta com vários estados de espírito e recorre à diferentes saídas musicais, individualizando as oito faixas. "Methamphetamine Blues" abre o disco com uma atmosfera perturbada, risadas grotescas, vocais femininos e batida quase industrial. Lanegan retoma suas temáticas destrutivas, suas descrições do cárcere em que vive um aventureiro das drogas. Ao menos é o que se conclui frente a um verso como "And I don't want to leave this heaven so soon". Segue o baile com uma curta vinheta de estrada, calor de quarenta graus, suor nas fuças e areia judiando o velho cowboy do oeste. "On The Steps Of The Cathedral" introduz "Clear Spot", onde podem ser mais visíveis os reflexos que a nova banda causou na música do cara. Com vocais distorcidos, riff sujo de guitarra e levada característica, familiar a quem já escutou "Crawl Home" das Desert Sessions, a música representa o flerte com a sujeira que obrigatoriamente daria as caras numa banda como essa. "Message To Mine" já faz as pazes com o formato de seu trabalho, momento no disco onde se consegue a melhor aproximação entre a influência do som sujo com o andamento de seus discos anteriores. Ao mesmo tempo que se tem um órgão limpo introduzindo-na, temos em seguida um acompanhamento puxado de guitarra estridente e os backing vocals de Homme. Em "Lexington Slow Down", o ouvinte que se identifica com o lado mais obscuro e introspectivo do cara vai encontrar a continuidade de seus discos anteriores, remetendo ao ex-colega Mike Johnson, graças à linha mais melódica dos vocais e o arranjo que dá exclusividade ao piano. "Skeletal History" é negativa como o título sugere, a antítese à clareza da canção anterior. Guitarras distorcidas, baixo mais sujo ainda são acompanhados pelos vocais angustiados. "Wish You Well" dá um pouco de trégua à sujeira e remete novamente à melancolia porém com uma insistente camada de guitarras que embarra o que deveria ser uma música de arranjo limpo. Terminamos a parada com "Sleep With Me", um lance mais experimental que flerta com a idéia das Desert Sessions, muito pelo andamento quebrado e pelas incursões de vocais espalhados e seqüências instrumentais. Impossível não lembrar do estúdio dos caras no Texas recheado de aparelhos que produzem música sendo experimentados à demasia.
"Here Comes That Weird Chill" deveria, em ordem convencional, ter sido editado depois do próximo álbum do cantor, que deverá se chamar "Bubblegun" e sairá no decorrer deste ano. Desta forma, são na verdade lados-b que compõem esse trabalho, raspa do tacho que não se encaixam no disco seguinte, utilizados aqui para ganhar tempo e fazer com que as canções vejam a luz do dia. Na verdade, pouco pode se concluir em relação ao que virá em frente a não ser a óbvia inclusão de terra e barro nos lençóis claros e alvos que serviam de arranjo para suas canções antigas. Sobretudo, a certeza de que Lanegan conseguiu preservar a sua identidade solo em outros meios, e, mesmo sem entregar um material excepcional, reuniu um conjunto de canções renovadoras que abrem uma nova possibilidade para seus fãs e afastam qualquer desconfiança de busca de sucesso fácil por causa de suas recentes conquistas musicais.
"Here Comes That Wierd Chill" foi também resenhado pelo Alexandre na Dying Days. O rapaz é um verdadeiro especialista em assuntos relacionados ao Lanegan e ao Screaming Trees, então não deixe de conferir.
ouvindo: Tortoise - "A Survey". posted by V.M. at 7.1.04
ouvindo: Whirlwind Heat - "Black". posted by V.M. at 6.1.04
5.1.04
Red Hot Chili Peppers - "Blood Sugar Sex Magik" (1991): Os discos em nossa coleção acabam servindo como um glossário de nossa existência, cada um registrando um momento especial do passado, relembrando fatos ou pessoas de outros tempos. Geralmente, os discos vão amansando com o passar do tempo, a CDteca passa a contar cada vez mais com artistas melancólicos que fazem música mais "adulta", mais triste. Isso é natural. Às vezes, voltar ao passado nos permite recordar momentos que hoje já não são mais comuns em nosso cotidiano, reencontrando trilhas-sonoras de porralouquices que só os adolescentes se permitem cometer. E dentro desse escopo, "Blood Sugar Sex Magik" é o meu disco de verão. Se a maioria dos brasileiros recorreram à artistas da extirpe de Ivete Sangalo ou ao Zeca Pagodinho para passar uma temporada na praia, foram Flea e Frusciante que me ajudaram a percorrer muitos verões tortuosos aqui no sul.
Quando gravaram esse disco em 1991, os Peppers vinham de uma crescente no meio alternativo, encabeçando a lista de artistas que mesclavam o rock com o metal e a música negra (sobretudo o funk e o rap). Branquelos californianos, tinham em sua carreira experiências com George Clinton, um baixista pra lá de tresloucado (musicalmente falando) e uma série de tragédias que envolviam vício em drogas e morte do guitarrista Hillel Slovak. O disco anterior, "Mother's Milk", acabou sendo um marco de renovação na carreira deles, em que os Peppers aglutinaram melhor suas influências e delinearam sua sonoridade dentro de algo mais bem definido, além de contar com o garoto-prodígio John Frusciante (naquele disco, muito mais virtuoso e de personalidade contida). Mesmo com o som poderoso e ultra bem-tocado, a banda remontava à imagem de palhaços de praia, de três patetas do rock que apareciam em comercial da Nike e trajavam-se unica e exclusivamente com meias nas partes reprodutoras de seus corpos. Resumindo, não podiam ser levado à sério.
O novo disco então, era a oportunidade de desvincular a banda dessa imagem ornamental para concedê-la um caráter um pouco mais respeitável, sem abrir mão da visão comercial da coisa. Os caras tinham de estourar como nunca haviam feito antes, mas sem que isso significasse uma atitude meramente dinheirista. Para tanto, desligaram-se do mundo ao alugar uma mansão em Los Angeles (a mesma utilizada pelos Beatles para estreiar no LSD, bem como por Jimi Hendrix em algumas aventuras sexuais). Nessa mansão, acompanhados do barbudo Rick Rubin (produtor dos Beastie Boys) e de Brendan O' Brien (célebre produtor de bandas como Pearl Jam e Stone Temple Pilots), deixaram a imaginação fluir e produziram sua melhor obra, recheada de riffs e grooves inspirados e temáticas que passavam longe de recitais religiosos. Em uma antiga revista Bizz, André Forastieri comparava-nos aos cariocas, que sabiam como ninguém colocar a malandragem e suíngue em música, algo que em "Blood Sugar" ocorre à perfeição dentro dos padrões norte-americanos.
O disco é ponto crucial onde eles conseguiram dar vazão à cumplicidade musical do baixista Flea e do guitarista John Frusciante (ali mais maduro e conectado à banda). A mansão foi utilizada como laboratório para as composições: pianos, teclados, marretas, tubos de ferro, pianinhos infantis, o pátio da casa. Tudo que estivesse à mão e pudesse ser coletivamente utilizado em prol da música foi aproveitado. Como resultado, uma porrada de bons arranjos e muitas melodias capazes de inquietar o ouvinte, revelando que os Peppers tinham capacidade de se comunicar por outras linguagens que não a virtuose exacerbada ou a imagem apelativa.
Ainda assim, ficaram vários traços da personalidade tradicional deles, principalmente nas letras de Kiedis que insistentemente abordam aventuras sexuais. De fato, isso de forma alguma prejudica o andamento do disco, uma vez que as bagaceiradas vinham de encontro à postura da banda na época e combinaram muito bem com o funk mal-intencionado que contagia faixas como "Sir Psycho Sexy". Afinal de contas, não estamos falando do Radiohead ou do Sigur Rós aqui. E músicas de suíngue poderoso não faltam no álbum, muito bem representadas por "The Righteous And The Wicked", "Funky Monks" e pela faixa-título. As mudanças de postura musical são visivelmente notadas na maneira como Flea assume os baixos, aqui mais melódicos e muito menos virtuosos (quase não se identifica o uso de slapsalucinados, outrora marca registrada do rapaz). John Frusciante dá a grande cartada na banda, revelando um caleidoscópio de possibilidade nos violões, guitarras e backing vocals, consagrando sua participação no quarteto e mostrando-se um pilar indispensável na melhor química que eles conheceram. O garoto-prodígio tinha se transformado em um guitarrista feroz disposto a experimentar seu instrumento nas mais distintas possibilidades. Até o questionável vocalista revela uma faceta mais contida, o que o tornou um pouco mais digerivel.
O quarteto ainda se permite explorar facetas inéditas a eles, como a delicada "I Could Have Lied" e a musculosa balada ao violão "Breaking The Girl". E mesmo os hits ("Suck My Kiss", "Give It Away" e a chata "Under The Bridge") que receberam interminável execução e até hoje dão as caras em FMs ou festas noturnas mostram-se poderosos, justificando sua consagração na posteridade e dando cartuchos suficientes para que chegassem ao cobiçado estrelato. Trazem à tona muita festa do passado. Há ainda a cover de "They're Red Hot", uma música do cantor de blues Robert Johnson que foi gravada pelos californianos no quintal da mansão em versão acelerada e divertida. Fecha o disco com chave de ouro.
Não há maneira melhor de atravessar um verão senegalês que a cada ano renova seu poder destrutivo com músicas do momento do que com um funk poderoso e bagaça como o registrado em "Blood Sugar Sex Magik". A continuidade do trabalho foi infelizmente destruída quando John sucumbiu às drogas, provocando na banda uma longa procura por uma peça de reposição, que de fato nunca foi encontrada, nem com a contribuição do bom Dave Navarro. O retorno do seqüelado guitarrista se daria em 1999, fora de forma e com um approach muito mais melódico e menos energético do que em seu momento sublime, mas definitivamente indispensável para a banda. John conseguiu superar sua deficiência oriunda dos anos longe do instrumento na base da melodia e da música espiritual, algo que desaflorou com muita força a partir de "Californication" e implicou em canções de qualidade altamente vendáveis. Um verdadeiro paradoxo. A banda tornou-se um gigante mercadológico adepto de uma determinada fórmula, que o fez configurar nas paradas junto a artistas tão inusitados como Britney Spears ou o Jota Quest, afastando fãs de longa data mas atraindo uma nova legião de jovens sedentos por música de fácil absorção. E, mesmo dentro desta proposta condenável, a banda encontrou caminhos para amadurecer em "By The Way", na base de backing vocals brevemente inspirados em Pet Sounds e de climas cada vez mais psicodélicos ou inusitados. Uma saída inesperada, contestada mas aceitável, se levado em conta tudo o que aconteceu desde que o álbum de 1991 saiu do forno.
ouvindo: Tomahawk - "Rape This Day". posted by V.M. at 5.1.04
Coldplay - "Live 2003" (2003 - DVD + CD): Eu provavelmente conheci o Coldplay da mesma forma do que as pessoas que gostavam da banda e hoje provavelmente não a suportam mais. Certo dia um camarada chegou com "Parachutes" nas mãos e recomendou que escutasse, que era uma som diferente, com guitarras que tinham tudo para agradar quem curte Radiohead. Eu estava em alheio ao que poderia ser essa tal banda, conheci-a inocentemente sob recomendação e disco em punho, longe de qualquer enaltação oriunda de tablóides britânicos ou destaque em rádio ou loja virtual. Na real, escutei o disco e gostei. Sempre achei o "Parachutes" um ótimo disco de estréia, um álbum com canções promissoras que, em primeira instância entrega influências como o citado Radiohead, mas em seguida consegue se justificar pela beleza de algumas músicas e principalmente pelo bom vocal de Chris Martin, que não economiza sentimentos.
"Parachutes" é o típico disco que bombeia o ouvinte a esperar por mais e por melhor. Se aquilo era apenas o debut, como esperar algo diferente de excelente nas empreitadas seguintes da banda? Foi essa expectativa que me frustrou quando escutei "A Rush Of Blood To The Head", o disco de 2002 que sucedeu "Parachutes" e jogou o Coldplay no rol de bandas de massa. O disco até hoje me soa mal resolvido, com algumas influências dispersas entre as faixas (Echo And The Bunnymen é a mais concreta), alguns flertes com tendências progressivas ("A Whisper"), algumas faixas tentando soar adultas ("Politik") e outras cruzando a fronteira do som sincero que permeava "Parachutes" para investir em hits certeiros ("The Scientist"). Não vamos negar, é claro, que algumas faixas se destacaram por seus próprios méritos, como "God Put A Smile Upon Your Face", "In My Place" (que era para ter entrado no disco anterior) e "Clocks", a melhor do disco. Entretanto, o sucesso do disco foi tão animalesco que sua capa ainda pode ser vista nas vitrines, suas vendagens seguem em alta e a banda atravessa por uma unanimidade inédita para bandas com tão pouco tempo de vida. Parece que minha veia crítica, nesse caso, não equivale com a opinião da maioria.
Foi de olho nesse furacão que a EMI preparou o set "Live 2003", presente de natal de 9 entre 10 compradores de DVD no ano passado. Nada mais rentável e de relativa fácil execução do que contratar uma equipe responsável pela filmagem/execução do vídeo, aproveitar a banda na ativa e registrar em takes cinematográficos dois shows dos caras na Austrália. Em seguida, coloca-se o resultado em um DVD envolto por uma bela embalagem. Exatamente o que a gravadora quer, exatamente o que um fã deseja, exatamente o que um parente, sem idéias para presentar um jovem, terá nas mãos sob recomendação de um lojista. E ainda assim, com todo esse encontro de interesses, "Live 2003" é um bom produto.
O Coldplay ao vivo consegue ultrapassar a aparência delicada/melancólica que oferecem em seus discos. Os quatro rapazes executam com propriedade seus hits, concedendo-nos grandiosidade notável já nos primeiros momentos de "Politik". O público, sedento pela banda e pelos momentos de "A Rush Of Blood To The Head", acaba invariavelmente fisgado pelo carisma e aparente sinceridade de Martin, que balança, toca piano, dança com violão ao punho e entrega a empolgação que sua platéia anseia. Canções como "Shiver", "Yellow" e "In My Place" transformam-se em verdadeiros hinos, cantados pelo povo ensandecido. Ao contrário de bandas que deixam a peteca cair em shows, quando comparadas às suas performances em disco, o Coldplay dá mais volume às composições de "Parachutes" e define melhor o valor do segundo e bem-sucedido álbum. É realmente interessante testemunhar a execução de "God Put A Smile Upon Your Face", de "One I Love". E, nesse conjunto de músicas fica comprovado que, embora com apenas dois discos, o Coldplay já juntou uma porrada de boas músicas, uma vez que o setlist do show é uma constante de sucessos. Quando o expectador acha que o negócio vai esfriar, os primeiros segundos de uma nova canção ajudam-no a perceber que tem mais jogo pela frente.
Outro ponto que dignifica o material é o conceito de produção. Ao invés de entregar a tarefa a uns poucos estagiários que encheriam os menus de esquemas coloridos de gosto duvidável, o material respeita a temática gráfica do segundo disco. Além disso, os esquemas de filmagem e escolhas de ângulos são candidatos à primeiro lugar no DVDs já lançados. As câmeras registram visões inusitadas, às vezes as imagens entram em preto em branco, às vezes em sombras. De acordo com a intensidade da música que toca, a câmera pode balançar no ritmo. Bom gosto.
Os destaques ficam com "Trouble", onde Martin vira o microfone sobre o piano em direção à platéia e a concede a tarefa de cantar os versos "They spun a web for me". "One I Love" fica mais empolgada quando executada ao vivo, "Daylight" tem uma execução muito boa de slide guitar, criando um efeito diferente do tradicional e fiel ao disco. "Moses", a inédita, segue o caminho de influências herdadas do já citado Echo And The Bunnymen e "In My Place" é literalmente ovacionada pelo público (se seu DVD estiver ligado em uma boa saída de som, vais provavelmente idealizar a catarse que a canção provoca no público). Para completar, o pacote inclui um CD de áudio com algumas das músicas que estão no DVD, na mesma versão (algo até certo ponto idiota porque hoje é barbada colocar o áudio do DVD em um PC e depois registrá-lo em CD-R).
O que me estranha sobre o Coldplay é que a banda não se calcou em obras estupendas de marketing, nem em depoimentos polêmicos ou atitudes violentas para alcançar a glória do sucesso. Apesar do apelo à imagem do vocalista, em cima do palco os caras tiram a prova da eficiência de suas canções, provando que é justamente nelas que está o segredo de tamanha repercussão. Podem não ser aquela maravilha, mas para um patamar pop cada vez mais dominado por artistas arquitetados meticulosamente, a banda passa tranqüilamente pelo teste da credibilidade. Ainda que a sua vizinha de 13 anos tenha o toque de "Clocks" em seu aparelho celular das Meninas Superpoderosas, "Live 2003" pode lhe surpreender como me surpreendeu.
ouvindo: Red Hot Chili Peppers - "Funky Monks". posted by V.M. at 5.1.04