28.7.03
 
Estou escutando neste exato momento um dos tais "melhores de 2003". É o "Up In Flames" da banda-de-um-homem-só Manitoba. Você, lá em dezembro, vai ler a NME ou a Pitchfork e vai encontrar o dito cujo listado entre os 50 melhores, quer apostar? É um disco bem legalzinho, com boas elaborações melódicas, apesar de não fazer parte do cast sonoro que normalmente escuto. O cara deve ser DJ, pois o negócio aqui é eletrônica. A lenda diz que os álbums anteriores do cara iam mais na linha pós-rock eletrônico do Godspeed You Black Emperor, do Autechre ou do Boards Of Canada, que fazem uma eletrônica mais experimental e instrumental ("Kid A" é uma idéia do que falo). A real é que em "Up In Flames" o panorama é bem diferente do que essas bandas fazem, as músicas aqui são bastante melódicas e de clima agradável, praticamente pop. A primeira faixa me lembrou New Order (não sei por que), e o resultado final é o mesmo que o DJ Shadow obteve em "The Private Press": uma salada de propostas sonoras bem incrementadas e interligadas, mais a serviço do pop do que às pistas de dança. Em vários pontos ele me lembrou aquela música dançante de Manchester nos anos 80-90. O disco chega a transceder os limites do techno em determinados momentos, soando como um artista de banda, o que lhe dá a opção de recusar a pista para curtir o álbum apenas com os ouvidos (ponto para ele). A capa sugere um caleidoscópio de cores, e é nessa linha que o CD se desloca. Um pouquinho de psicodelia, um pouquinho de espírito party, uma boa dose de inteligência nos apetrechos.

Entretanto, citá-lo como discão é um pouco demais. Li em alguns lugares referências a Beach Boys... não. A menção ao DJ Shadow é coerente, quem escutou o "The Private Press" certamente não encontrou tudo aquilo que a mídia prometeu. Pois o nosso amigo Manitoba é meio por aí. Vale conferir, mas sem muito oba-oba, ok?



ouvindo: Manitoba - "Everytime She Turns Round It's Her"

24.7.03
 
Declaro, para os devidos fins, que a cada dia que passa considero o The Polyphonic Spree uma das melhores bandas que já escutei nos últimos tempos. "The Beginning Stages Of..." pode não ser perfeito, mas tem pelo menos umas cinco músicas perfeitas, caso raro hoje em dia. Eles até que se debruçam sobre referências sessentistas, mas isso é feito com competência. E é inusitado em sua proposta, criativo, cativante e seu som puxa a gente para cima. E dessas bandas que surgiram, até que os caras não foram assim tããão reverenciados se analisarmos o resultado musical que eles conseguiram. Esse álbum amolece até pedra.


ouvindo: The Polyphonic Spree - "Hanging Around"

22.7.03
 
Stone Temple Pilots - "Purple" (1994): Essa banda é meio estranha para mim. No auge do grunge, quando o STP apareceu para o mundo, tachado de imitação barata do Pearl Jam (cargo que depois foi ocupado de forma sedenta pelo Creed), eu não pude resistir à apelação que era "Sex Type Thing" e "Plush". Embora a última não causasse tanto rebuliço assim em minha pessoa, o primeiro álbum deles tinha lugar certo em meu CD player. Aquele debut calcou-se nas distorções e nas paredes sujas de guitarras, conversando com o ouvinte através de uma linguagem pesada porém facilmente assimilável, o que de certa forma foi um prato cheio para os detratores desse primeiro trabalho. Considerando ou não um oportunismo, o álbum tinha produção do ex-mago Brendan O' Brien (por onde anda esse cara?) e ajudou a convencer às massas que o peso era algo digerível se oferecido em doses populares e bem produzidas (algo que acontecia seguidamente na época). Os dois anos que sucederam o muito bem-repercutido álbum de estréia resumiram-se em turnês e enfrentamentos com a imprensa, sempre tachando o quarteto de cópia de grunge.

"Purple" nasceu então como uma tentativa de provar que o STP tinha acima de tudo personalidade, que aquilo que foi apresentado em 1992 era genuíno e que por motivos circunstanciais o resultado misturou-se com o que a cena mundial vinha produzindo. O novo álbum apresentava algumas composições menos certeiras, mas que poderiam ser facilmente executadas nas FMs sem que isso significasse a reutilização de recursos manjados tão contestados anteriormente. Para tanto, a adoção de propostas acústicas e desencanadas trouxeram a "Purple" uma faceta interessante do Stone Temple Pilots, que aliadas a uma pequena elaboração no som deram um grande passo rumo à credibilidade.

"Meat Plow" não deixa margem para grande interpretações - faz aquilo que fora feito no disco anterior, como quem tem medo de afugentar os fãs sedentos pelo "som de Seattle". Ainda assim, o refrão They got this picture of everything é cantado em tom fantasmagórico, para depois ser quebrado por um ritmo inverso, uma elaboração mínima que dá idéia de que tinham um algo mais dessa vez. "Vasoline" foi o primeiro single e curiosamente não remetia à tosqueira de "Sex Type Thing" nem ao baladão "Plush". Tem riff mais inteligente e apela a um pop interessante. A banda começa a mostrar que desenvolvendo um pouco mais seu som era capaz de refinar sua sonoridade e talvez demonstrar mais maturidade. "Interstate Love Song" é o grande passo do álbum, na minha opinião, a melhor música que os caras já fizeram. Início com vertente country, a música entra em uma doce melancolia, com melodias muito bem elaboradas e uma condução vocal majestosa de Scott Weiland, contrastando com o alto volumes daquelas guitarras. O refrão da faixa é o que se pode esperar de uma música pop, o que me fez reavaliar o potencial dos rapazes dali para diante. "Still Remains" é uma balada pesada ou um peso melancólico, com outro refrão marcante e inusitado. E como não poderia deixar de ser, "Silvergun Superman" e "Unglued" trazem um pouco do que foi o Stone Temple Pilots anterior, uma pancadaria gratuita para agradar a meninada (esse esquema de encher o CD com coisas dispensáveis, sabe como é). Para a decepção das FMs, o que deviam ser baladas fáceis ("Creep", do álbum anterior) aparecem agora como música mezzo country: "Big Empty" e "Pretty Penny" evitam o baladão óbvio e pintam o disco com cores diferentes. O encerramento fica a cargo de "Kitchenware & Candybars", faixa alvo de um processo por plágio de um cantor de rua de Seattle. A canção traz um tom de brincadeira, ao flertar com música de crooner para karaokês ou cabarés.

Se "Purple" não serviu para destacar o conjunto como uma das grandes bandas do início da década, ao menos conseguiu aliviar o peso de ser taxada como sub-produto. A notável evolução melódica que o álbum ofereceu foi suficiente para impor um certo respeito, deixando a porta aberta para que "Tiny Music", de 1996, fosse bem mais audacioso para conferir a eles o respeito que mereciam. A partir dali a banda iniciaria um flerte com o rock visceral do anos 60 ("Tiny Music"), para dali adiante mesclar a tendência com o peso sonoro dos 90 ("no. 4"). Embora sem deixar um legado referencial, a banda venceu os preconceitos e ainda hoje atrai a atenção quando o vocalista brinca com drogas ou faz incursões em outros grupos.


ouvindo: Mogwai - "Ratts Of The Capital".

20.7.03
 
Devaneio: E as coisas mudaram muito depois que a internet chegou em nossa vida. Além da óbvia facilidade de acesso à música, da troca de informações, do menor controle por parte da mídia, da liberdade para escolher o que quiser, a internet hoje deixou as coisas menos definitivas. A volatilidade da música na minha vida aumentou em proporções enormes e hoje eu consumo música de forma desenfreada, sem saber exatamente qual banda colocar no meu som ou no meu PC.

Lembro que quando eu comprava discos vinil, os mesmos faziam carreira em meu 3-em-1 (um conjunto único de vitrola/rádio/cassete, para os mais novos). "The Real Thing" e "Nevermind" chegaram a perder o sulco de tantas rotações que experimentaram no meu há muito aposentado Gradiente. Quando troquei o bolachão pelo CD, ainda assim rolava muito apego aos CDs, como o "Angel Dust", o "Siamese Dream", o "Arise". Os encartes ficaram tão manuseados que dá vontade de comprar um novo e aposentar os baleados. Mas depois que a rede de informações passou a dar os nortes em minha vida musical, as coisas nunca mais foram as mesmas.

Em primeiro lugar, não há mais espaço para tendências. Quem se preocupa em ficar na crista da onda descobre que o som de hoje vai dar lugar a outro amanhã. É impossível digerir tudo o que é apontado nas mais diversas fontes de informação. Assim como é muito complicado para quem quer sempre conhecer as bandas novas adquirir uma maior intimidade com o som. Eu tenho notado que escuto uma, duas, três vezes um CD e já estou ouvindo alguma outra coisa depois. E como o fluxo de ofertas é infinito, o ciclo tende a ficar cada vez mais rápido. Hoje conheço até muitas bandas independentes nacionais, coisa que há algum tempo era impossível de se acessar por causa da falta de um canal entre ouvinte e artista. Mas hoje, com a informação direcionada, as sugestões diárias podem chegar tanto daqui de Porto Alegre como do interior das Filipinas.

E, por mais incrível que pareça, uma volta ao passado é o que tem me ajudado a familiarizar-me com CDs. Explico: meu carro tem apenas K7 mas a base sonora daqui de casa está armazenada em CDs. Daí que o prazeiroso e clássico trabalho de transferir as aventuras sonoras de CD para K7 torna-se necessário, uma vez que boa parte do meu dia é desperdiçada dentro de um automóvel. E é justamente dentro desse ambiente que a música é propícia a ser sedimentada. Durante a tranqueira no tráfego, durante o nervosismo ou a monotonia que o veículo nos provoca, meus ouvidos clamam por um sonzinho. Mas a falta de tempo também me impede de gravar as fitas, o que faz com que um K7 fique por um bom tempo no carro até que ele seja sobrescrito por uma outra novidade. Assim, as fitinhas que habitam o automóvel recebem bem mais horas de audição e sedimentam álbuns que talvez passassem desapercebidos nesse vai-e-vem musical.

Para encerrar, sugiro a todos que façam um K7 de 90 minutos com o White Album. Pegue os dois CDs, grave o lado A com as músicas 1 a 16 do primeiro disco. Troque de lado e grave o lado B com "Julia", a última do primeiro disco e em seguida registre todo o segundo CD, sem "Revolution 9". O "White Album" todo não cabe em um K7 de 90 minutos, então sacrifique "Revolution 9". Se gostas de artes gráficas, faz à mão uma capinha para o K7 (ou mesmo no Word), escrito "Beatles" com uma fonte arial (qualquer dia eu coloco no ar alguns desenhos de capas para K7). Aí leva para o carro e vais notar que esse disco é do cacete para escutar lá. É uma montanha russa.

ouvindo: Ikara Colt - "Sink Venice"

19.7.03
 
Estréia - Está no ar o especial sobre o Faith No More que fiz em colaboração com o Alexandre para a Dying Days. A discografia de singles ficou bala.

ouvindo: Mondo Generator - "Detroit".

15.7.03
 
Olha, eu estou escutando pela primeira vez o último CD da Cat Power, "You Are Free". Não sei se é por causa do friozinho que faz ou da chuva caindo ali fora, mas estou impressionado. É belo, é simples, é quase sem ambição. Tehho a impressão que a garota faz as músicas só para ela e para mais ninguém. Uma única escutada e a certeza de um dos melhores de 2003. Review em breve (deixa eu me ambientar um pouco mais...).


ouvindo: Cat Power - "Free".

11.7.03
 
The Pixies - "Trompe Le Monde" (1991): Existem álbums que a gente sabe que não são os melhores que uma banda produziu em sua discografia, mas que, entretanto, eles possuem um magnetismo especial capaz de torná-lo particularmente mais importante para você. Esses discos às vezes não são dotados de canções brilhantes, tampouco significam uma quebra de barreiras ou uma revolução em um estilo. Eles apenas estão lá na sua coleção e quando você enxerga a caixinha dele no porta-CDs, você sabe que ali dentro tem várias recordações e momentos significativos que de uma maneira inexplicável repousam junto àquele disco de plástico. "Trompe Le Monde", o último disco dos Pixies é, para mim, mais um desses exemplares capaz de mostrar que muita coisa que eu escutava no passado ainda pode ser relevante nos dias de hoje.

Falar de Pixies é complicado, embora ninguém resista e sempre acabe dando sua palavrinha a respeito deles. Banda cult e essencial na história do rock, é um caso onde sua invejável reputação foi disseminada entre os fãs através do bom e velho K7, da troca de vinil e da famosa propaganda boca-a-boca. É impressionante constatar que, em tempos de um único veículo de comunicação musical como a revista Bizz, os Pixies tenham sedimentado legião tão expressiva e consistente de fãs em nossas terras. Embora alçados a momentos mais notórios como a ultraexposição da faixa "Here Comes Your Man" (talvez a "Anna Julia" deles?) , foi através da propagação underground, da sugestão do irmão mais velho ou do colega de aula que você deve ter conhecido esse maravilhoso quarteto de Boston. Quando escutei-os pela primeira vez, o fiz por influência da revista Bizz, que estampou o disco "Doolittle" naquela coluna onde os críticos colocavam o ícone de um sorriso para um disco bom e uma cara fechada para discos ruins. "Doolittle" tinha só sorrisos. Ganhei-o de natal, em vinil. Através de um K7 emprestado de um amigo, consegui a dobradinha "Come On Pilgrim/SurferRosa" sem saber que se tratavam de discos diferentes. "Bossanova" eu comprei em CD, ainda tenho-o em minha coleção. A edição nacional da gravadora Stilleto decepou o encarte e colocou a capa e as 4 fotos dos integrantes. Mas, em meio a ebulição de bandas no início dos anos 90, "Trompe Le Monde" chegou até mim em mais uma fita K7 que um colega gravara direto da rádio Ipanema FM. Sob recomendações "escuta que tá do caralho" eu encontrei nesse CD as músicas do Pixies que mais têm a minha cara.

O álbum nasceu quase que simultaneamente ao estouro de uma nova geração de músicos que se baseavam sobretudo nos... Pixies. Ao mesmo tempo que o quarteto fechava o livro, um nanico temperamental de Seattle abria uma nova enciclopédia. Alheio ao emergente rebuliço que o rock alternativo vinha causando nas paradas mundiais, "Trompe Le Monde" se encarregava de largar os últimos suspiros de rock barulhento e misteriosamente encantador que Black Francis e trupe sabiam fazer como ninguém. "Trompe Le Monde" não tem a urgência de "SurferRosa", não tem a consagração de "Doolittle". Talvez tenha muito da maturidade de "Bossanova" e ao meu ver, corrige alguns problemas de direcionamento que o lançamento anterior teve. É o disco mais Black Francis de todos, com suas letras espaciais e sua inclinação a um rock um pouco mais elaborado, tanto no abandono do punk primal como na inserção de outros instrumentos como os teclados. E é um dos poucos casos de discos de despedida em que a banda conseguiu se reinventar e oferecer um produto à altura do que o fã podia aguardar.

"Trompe Le Monde", a primeira faixa, é uma ode ao jeito Pixies de se fazer música: rápido, vocal maneiro e guitarras emulando alarmes atravessam a canção. O humor de Francis muda conforme a canção - começa empolgado e puxa o freio na metade (we went to the store and bought something great/which samples this song from washington state), fazendo aquelas variações rítmicas que sempre nos embasbacam. "Planet Of Sound" é mais "SurferRosa", punkzão com baixo marcadão (baixo esse que Deal fez questão de transportar para as Breeders) e refrão esporrento que não tem como não gritar junto. "Alec Eiffel" inova porque dá muitas responsabilidades aos teclados. Nessa faixa têm-se um preview do que o líder almejava em termos músicais, que depois convergiram em seu primeiro disco solo. O trecho oh alexander i see you beneath/the archway of aerodynamics é um dos que mais me agrada. "The Sad Punk" é uma pauleira de garagem que pàra na metade e nos bonifica com belas frases de guitarras, como se o vocalista tivesse tomado seu gardenal para baixar a bola. A cover de "Head On" é do cacete, já diria Renato Russo. "U-Mass" e a antiga "Subbacultcha" são mais inventivas em termos rítmicos, provocativas e menos centradas na pauleira tradicional. "Palace Of The Brine" e "Letter To Memphis" são verdadeiras aulas de como se construir uma canção pop sem abrir mão dos princípios alternativos. Extremamente belas e melódicas, elas talvez sejam as canções mais indescritíveis que os Pixies fizeram. Em "Memphis", o trabalho de Joey Santiago quase me faz chorar de alegria. "Bid Dream Of The Olympus Mons" têm um climão, "Lovely Day" é a última surf-music-frenética que eles fizeram e "Motorway To Roswell" investe novamente nas contruções melódicas que permeiam o trabalho. É um dos poucos álbums de despedida em que não se conseguia, no momento, concluir que o artista estava prestes a se fragmentar.

Os Pixies decretaram seu fim logo depois que o disco saiu, deixando muita gente sem entender o que tinha acontecido. Os conflitos internos e a necessidade de diferentes trabalhos desintegraram a banda, mas ao mesmo tempo a consagraram no hall das santidades do rock. Fala-se hoje numa possível reunião deles, com shows para relembrar o passado e reafirmar a importância - algo desnecessário e frustrante. Pixies é daquelas bandas que deram o sangue enquanto estiveram na ativa, produziram alguns dos melhores discos que já ouvi e não merecem ter seu passado colocado em cheque por motivos secundários. Que permaneçam as lembranças e os reluzantes discos em nossas prateleiras.


ao som de: The Breeders - "Saints".

7.7.03
 
Mondo Generator - "A Drug Problem That Never Existed" (2003): Já dizia a vovó: "nunca deixe a raposa tomando conta do galinheiro". No caso de Nick Oliveri, o peladão e figura controversa do sensacional Queens Of The Stone Age, a cada centímetro extra que ganha em sua coleira, maior o estrago. Nick embarca pela segunda vez em projeto solo, o Mondo Generator, comandando as batutas e dirigindo os colegas Brant Bjork (Kyuss), Dave Catching (QotSA) e Molly McGuire.
Ser fã das "Rainhas da Idade da Pedra" é sem sombra de dúvida uma opção recompensadora. Não só somos agraciados com discos memoráveis e indispensáveis (os três, sem discussão) como somos bombardeados com novidades nas entressafras entre os lançamentos titulares. Dentre os inúmeros projetos de Josh Homme e Nick Oliveri, o Mondo Generator é Nick Oliveri encarnado em uma banda. Vertente punk da dupla, Nick já havia largado um disco podre e tosco em 2000 através da independente e pesadona Southern Lord. "Cocaine Rodeo" não só antecipava a música "Tension Head" (ali chamada "13th Floor"), como entregava toda veia punk e distorcida que Nick geralmente poupa em sua banda oficial. O primeiro álbum é uma distorção só, soando como produzido em uma garagem do fim do mundo, regado a drogas pesadas.
Como às vezes as coisas que já estão boas podem ficar ainda melhores, a galerinha do QotSA juntou-se no final do ano passado à turma da gravadora Ipecac (você já deve saber, é o inquieto selo do igualmente sensacional Mike Patton). Dessa forma, o selo de Josh Homme, a Rekords Rekords passa a lançar em comunhão com a Ipecac alguns dos próximos títulos do catálogo. Já a Ipecac mostrou-se desde sua fundação um reduto para músicos anti-convencionais, como que um asilo de malucos que não encontram outro veículo para destilar suas idéias inusitadas. Josh e Nick encontraram o ninho perfeito para chocar seus filhotes Mondo Generator e Desert Sessions (e sabe-se lá que outra maluquice está por vir), com carta branca e incentivo para que barreiras musicais sejam exploradas.
O novo álbum é menos visceral, menos dark que o debut. Nick percorreu confortavemente o mundo mainstream nos últimos dois anos, o que pode ter provocado uma certa transformação em seu projeto. As novas músicas têm mais pique, são mais festeiras e convidam ouvintes menos ecléticos a uma audição. A primeira faixa, "Meth, I Hear you Calling" é uma espécie de vinheta infernal, com entrada cavalar de bateria e direito a bumbo duplo. Nick aplica os seus famosos urros guturais sob uma série de trechos de conversas não identificadas. A primeira música propriamente dita é "Here We Come", e sua sonoridade é a mesma de outras faixas do álbum. Um punk influenciado por bandas como Turbonegro é gritado, seco mas igualmente obediente à cartilha punk rock. Como ela, temos "F.Y. I'm Free" que pode lembrar até um Mudhoney mais pesado. Quem gosta de faixas como "Millionaire" e "Quick and To The Pointless" do QotSA, se sentirá representado em "Do The Headright", "Open Up And Bleed For Me" e "Girl's Like Christ" esta última um hardcore com vocais podres a-la Cannibal Corpse. Momentos inusitados remetem às Desert Sessions do companheiro Josh (listado como um dos convidado especiais do álbum), como "Detroit" (de trabalhos instrumentais e melódicos mais elaborados) e "Me And You" uma western song tocada por um punk sujo. Baladas desérticas como "All I Can Do" e "Day I Die" fazem o rapaz trocar sua guitarra por um violão, como que cantando asperamente frente a uma fogueira em meio ao nada. "Jr. High Love", que nas Desert Sessions IV eram um punk tosco, aqui aparece como um hard rock podendo fazer você pensar até nessas bandas suecas como o Backyard Babes. Nessa mesma linha, o rockzão "Like you Want". A última música, "Four Corners", tem a participação de Mark Lanegan dividindo os vocais com o careca, talvez a faixa mais queenofthestoneageana do disco. Climática.
Ao final do CD, entra uma seção escondida, com um merchandising dos próximos lançamentos que a Rekords Rekords promoverá. Sob o fundo de um rock manhoso, cantado docemente por Josh Homme, o locutor avisa que vem aí o debut da banda de "rock dançante" Eagles Of Death Metal. Assim como anuncia as Desert Sessions IX/X - tendo como pano de fundo um instrumental fofo seguido por uma pauleira que eu até agora não consegui assimilar de tão boa. E ainda provoca, anunciando as participações do CD: Dean Ween, PJ Harvey, Twiggy Ramirez, Chris Goss, Josh Freeze, Dave Catching entre outros. Do cacete.
"A Drug Problem That Never Existed" é menos tosco e mais convidativo que o CD de estréia, o que de certa forma me causou uma certa supresa por estar sendo lançado por uma gravadora audaciosa. Do catálogo da Ipecac, talvez seja o CD mais acessível. Por outro lado, é um trabalho que privilegia o rock puro e simples, e se você quer escutar um disco desbocado e divertido que não impõe segundas interpretações, esse álbum é uma ótima escolha. Legítimo disco para sair em major, mas como com esses caras a regra é complicar, foi tudo ao contrário.


ouvindo: The Amps - "Pacer"

6.7.03
 
Gostaria de registrar e agradecer a cordialidade com que fui recebido pelos amigos Alexandre e Fabrício, da Dying Days. Duas horas de papos musicais interessantes e de troca de opiniões. Mais encontros já estão marcados para o futuro próximo, além da promessa de contribuir humildemente com o belo site deles. Valeu gurizada, será uma honra.

ouvindo: Kyuss - "Gardenia".

 
At The Drive-In - "Relationship Of Command" (2000): Com o recente lançamento do CD de estréia da banda The Mars Volta, o At The Drive-In voltou a ser lembrado como uma das bandas que mais se destacaram no início da década. Os rapazes começaram como um quarteto em El Paso - Texas, apresentando um som calcado no hardcore melódico, muito tempo antes de denominações como emocore tomarem conta do planeta. Seus primeiros EPs e álbums (os disponíveis em CD "Acrobatic Tenement" e "El Gran Orgo") são marcados por uma maior fidelidade ao estilo, sem grandes divergências em relação ao que outras milhares de bandas independentes fazem, com exceção do vocal marcante de Cedrix Bixler e as letras non-sense pseudo-politizadas (voz essa comumente comparada à de Zach De La Rocha do Rage Against The Machine). A partir do início de trabalho com o produtor cult Alex Newport (Nailbomb, Fudge Tunnel), o ATD-I começou a introduzir outras sonoridades e recursos instrumentais ao seu som. Paralelamente, a maturidade de suas composições passou a evoluir, trazendo à banda status que a distanciaria das demais no estilo. "In/Casino/Out" e o EP "Vaya" são notáveis obras de produção, mostrando uma banda mais afiada e com proposta evoluída. Sempre fiéis ao circuito alternativo, o então quinteto restringia-se a audiências underground que multiplicavam o interesse na banda.
Eis que ao assinar com a major Virgin, o At The Drive-In deu início à sua meteórica consagração. De representantes do gueto, os rapazes passaram a ser interesse de grandes publicações e o álbum em questão, "Relationship Of Command", passou a ser a grande bola da vez em meados do ano 2000. Produzido pelo mega-produtor Ross Robinson (Sepultura, KoRN, Soulfly), o álbum encarregou-se de sintetizar 50 minutos todas os possíveis territórios que a banda poderia explorar, aprimorada pela cabeça esperta e mão pesada de Robinson. Foi inclusive a partir desse trabalho que Robinson anunciava seu desinteresse em trabalhar com o estilo nu-metal, o qual ele encarregou-se de dar forma. Os primeiros segundos de "Arcarsenal" iniciam com batidas tribais e dedilhados modificados de guitarra (alguém aí ligou com "Roots" do Sepultura?) para desencadear uma absurda parede sonora. Cedric destila versos contagiado pela urgência sonora produzida, berrando suas letras sem sentido através da canção. O álbum encabeça um set de músicas que em momento algum deixam a peteca cair. "Pattern Against User" remete às origens hardcore, sem abrir mão da evolução consquistada nos anos de estrada. "One Armed Scissor" tomou conta das paradas e foi o grande single do álbum. Entrada arrebatadora seguida por dedilhados e nuances intrumentais sintetizam a tendência que repete-se por todo álbum: trechos mais climáticos intercalados por literais explosões sonoras. "Sleepwalk Capsules" e "Cosmonaut" relembram novamente a raiz hardcore, enquanto que "Invalid Litter Dept." ensaia um momento de calmaria para terminar em uma catástrofe sonora que até hoje eu não consigo explicar. Incursões mais próximas ao metal estão em "Mannequin Republic", "Quarantined" e "Catacombs", todas devidamente ornamentadas comas guitarras cortantes de Omar Rodriguez. O trabalho eletrônico paralelo de alguns integrates dá as caras em "Non-Zero Possibilities" e com ainda mais corpo em "Enfilade". Temos notadamente um trabalho com músicas levadas à sua perfeição, sem faixas incidentais e desnecessárias. A consagração da carreira vem em "Rolodex Propaganda", punk-metal com participação do lendário Iggy Pop à serviço da mais pura destruição e alopração sonora.
Por mais inusitado que possa parecer, o álbum que melhor registrou a banda foi também o que marcou o fim dos trabalhos. Após a superexposição a que foram submetidos, os rapazes anunciaram a prematura aposentadoria, frustrando os recentes fãs que nem muito tempo tiveram para acompanhá-los ao vivo. Entretanto, os anos que passaram trouxeram duas outras bandas remanescentes, o Sparta e o citado The Mars Volta. Banda que, se não substituem o saudoso ATD-I, ao menos oferecem possibilidades à altura das exigências de um fã.
"Relationship Of Command" esteve disponível nas lojas brasileiras com um certo atraso, com sorte é possível encontrar alguma cópia nas prateleiras.


ouvindo: The Blood Brothers - "Cecilia And The Silhoutte Saloon".

4.7.03
 
O Medina está vendendo umas camisetas bem bacanas. Com exceção da "Disco Volante" do Mr. Bungle, todas as outras são boladas e produzidas por ele. No seu site de camisetas tu encontras os modelos à disposição e tu podes encomendar a tua.


Na mesma praia, vale recomendar as camisetas que a Mono do Patrick faz. São diversas estampas de bandas, indo de Radiohead a Queens Of The Stone Age. Todas com um design bem legal, originais e preço camarada. Entre em contato com ele e escolhe a tua.

amostra 1
amostra 2

É o espírito de se virar. Se a gente não tem acesso a certas coisas, tem caras que conseguem suprir com idéias e trabalhos legais. Unindo o útil ao agradável.

ouvindo: The Mars Volta - "Cicatriz ESP"

3.7.03
 
Interessante. É sobre a (já) finada revista musical Frente. Constatações do porquê das edições dedicadas à cultura musical não decolam no Brasil. De quebra, conclusões que nos levam a encontrar respostas para a indigência musical brasileira.

Veja só: "Acho que estamos entrando em uma era (de, talvez, 10 ou 15 anos) em que a música será muito pouco importante para as pessoas. Isso é numérico. As pessoas que compram discos hoje são as mesmas que compravam discos em 1989: há uma lacuna geracional enorme acontecendo, o público da MTV, da internet e da Capricho, que tem música o tempo todo e para quem música não significa lhufas.
O público da Frente (que era uma revista de bandas novas, de molecada mesmo) tinha a maioria de seus leitores com mais de 25, 30, às vezes de até 40 anos. Engenheiros, advogados, caras assim, gente que ainda se importa com música, mas que não tem esse engajamento que só o tempo ocioso permite nos nossos 15 anos..."

Quem ler a matéria toda vai concluir que uma revista musical não vai em frente (!) no nosso país não só por problemas econômicos do público, mas acima de tudo por abismos culturais. Todo esse nosso mundo da internet, a avalanche de informações e de blogs afora é um microcosmo, uma fagulha no planeta. Uma revista musical com conteúdo direcionado a cultura alternativa ou vanguardista atinge à meia dúzia de cabeças, assim como bandas independentes elogiadíssimas vendem 500 cópias de um CD. E temo também que a situação se repita com itens de maior circulação. Concluindo, se não for a revista Caras, vai levar tufo. A seguinte constatação "Quem não se importa com qualidade de som, nem com capinha bacana ou encarte jóia, apenas com a praticidade, se contenta com o Mp3; quem quer artista descartável compra o disco pirata (pra escutar só por um mês). Acho que, isso somado à crise de credibilidade da indústria do entretenimento (que vai da publicidade ao Hulk feito de computador) e à assombrosa facilidade tecnológica de gravar e distribuir música, produzirá uma grande era de gente desinteressada por música, embora se continue consumindo música o tempo todo" é perfeita. A indústria, a dificuldade financeira e a mídia acostumaram as novas gerações a pensar assim, provavelmente de maneira irreversível. A decisão de lançar o "Ten" do Pearl Jam com um encarte em branco foi um exemplo vivo da Sony Music desagregando valor ao seu produto e avisando aos seus consumidores que aquilo não era importante.

Parafraseando o próprio Ricardo Alexandre: "Hoje, se estivesse começando no jornalismo, talvez me especializasse em cobrir enchentes ou medidas provisórias para garantir meu sustento e, por lazer, fazer um blog sobre música – só de opiniões, ou chupando notícias de outros sites, porque, ora bolas, vai ser de graça mesmo". É exatamente o que vejo em nossa mídia e na cabeça de nossos consumidores. Leia e entenda.

ouvindo: The Mars Volta - "Eriatarka"