23.5.03
 
Enfim:
The Beach Boys - "SMiLE" (1967): Todos, na atualidade, se referem a "Pet Sounds" como a obra suprema dessa banda e como a uma das maiores da história do rock. O disco que consagrou Brian Wilson como um artista único, que imprimiu conceito artístico na música pop, que apresentou um som extremamente elaborado e incansavelmente trabalhado, que marcou a rápida porém impressionante evolução de um quinteto antes encarado como "pop ingênuo" é também na minha concepção o ponto alto do que os rapazes tem a oferecer. Sua unicidade, o acúmulo de belíssimas e incríveis melodias e o apelo ao coração do ouvinte consagra "Pet Sounds" como uma das melhores obras do rock disponíveis. Mas é graças a sua obra-prima que os Beach Boys são encarados como banda de um disco só, com uma discografia restrita a um conjunto de álbuns convencionais, intercalado por uma peça reveladora e extraordinária seguida por um outro conjunto de álbuns fracos e deslocados de suas épocas. Analisando friamente, é de causar estranheza ao novo ouvinte de Beach Boys que, após um disco tão excepcional, a banda nunca tenha sido capaz de demonstrar continuidade e que tudo o que veio depois seja talvez inferior e menos significativo do que "Pet Sounds". Eles parecem ter economizado todo seu potencial e despejado em um único trabalho, sem grandes pistas de que aquilo teria um início e um fim.
O motivo que explica esse mistério está em um álbum que nunca saiu: "SMiLE". O projeto que começou na gravação do single "Good Vibrations" foi abandonado no início de 1967, dezesseis meses após seu início. Durante esse período, ocorreram fatos que tornaram esse álbum uma das peças mais curiosas e interessantes da história do rock, sendo exaustivamente debatida e especulada até os dias de hoje. Tudo começou quando Wilson, que desde os tempos de "Pet Sounds" tornara-se um artista restrito aos estúdios (ele não agüentou o ritmo de pressão no dia-a-dia das turnês) e decidiu transformar seu trabalho em algo inovador e perfeito. Wilson, antes dedicado a seu característico pop-surfe-carros não mais demonstrava interesse em apresentar-se ao vivo. Simultaneamente, sua veia artística se dirigia para outros ares, para sonoridades mais revolucionárias que começavam a aflorar na música de 1966/67. "Pet Sounds" foi uma síntese perfeita do que Brian tinha em sua mente e em seus dotes artísticos. Embora uma decepção comercial, o álbum que hoje conquistou status cult foi encarado como um grande avanço artístico e impulsionou ainda mais a vocação de Wilson para produzir seu pop perfeito.
O single seguinte a "Pet Sounds", "Good Vibrations", marcou uma outra fase de evolução do rapaz. Gravação mais cara da época, a canção registrou o novo desafio de Brian, que era unir em uma única canção vários trechos que aparentemente não tinham relação entre si. A maneira como ele desenvolveu a fluência entre esses diferentes trechos e os transformou em uma canção uniforme é até hoje inexplicável. Foi também nas gravações do single que o músico elevou ao quadrado sua habilidade em experimentar diferentes arranjos e encaixes de gravações, notabilizando-o como um grande mestre dos estúdios dos anos 60. "Good Vibrations" dá a guinada inicial e a tõnica do que seria o próximo e trágico projeto, "SMiLE".
Enquanto os outros Beach Boys trabalhavam em turnê, Brian Wilson passou a trabalhar em parceria com Van Dyke Parks, um artista de vanguarda e maluco de plantão. Parks contribuia com as letras e com a temática do álbum, Brian exercitava seu potencial de incansavelmente procurar a nota e o arranjo perfeito para suas canções. Influenciado por "Rubber Soul" dos Beatles, ele buscava novas aventuras sonoras que passavam dar a tônica da época. Da mesma maneira que em Good Vibrations, as gravações ocorriam em seções, não se trabalhava com as canções completas. A idéia de Wilson era registrar todos os trechos de uma canção, trabalhar individualmente nesses trechos e ao final uni-los de forma coerente. Todos acreditavam que ele tinha os trechos organizados em sua mente mas, infelizmente, Brian não conseguiu unir os pedaços.
Os resultados são, consequentemente, inusitados. Ricas elaborações instrumentais dão o tom, vocais trabalhados recheiam segundos de música altamente elaborada. "SMiLE" difere-se bastante de "Pet Sounds" no andamento do trabalho. Enquanto o álbum anterior têm em suas faixas um perfeito sentido de completude, as músicas de "SMiLE" intercalam-se de forma inusitada. "Heroes And Villains", o maior desafio do disco, é composto por inúmeras variações do mesmo tema – cabendo ao ouvinte definir qual seria a mais adequada. "Wind Chimes", "Wonderful", "Vega-Tables" e "Cabinessence" parecem melhor resolvidas. Há várias incursões instrumentais em que não se sabe se serviriam como vinhetas ou como trechos a serem incluídos em outras faixas, como "The Old Master Painter", "Child Is The Father Of The Man"e "Love To Say Dada". "Surf's Up" é uma emocionante balada ao piano. Explorações vocais como o canto "Prayer" e "With Me Tonight" acrescentam dúvidas quanto ao andamento do projeto e a capacidade que Wilson tinha para conectar a obra. De qualquer forma, a música proveniente daquele período afasta-se bastante de "Pet Sounds" por arriscar outras melodias e direcionar-se para temas e arranjos calcados no humor. Enquanto o trabalho anterior remetia às emoções e frustrações, esse aposta em sonoridades que podem tanto caber em um desenho animado do Mr. Magoo como em um filme de comédia. Ambíguo e reticente, temos como conteúdo final um conjunto desconexo de excelentes trechos musicais e canções curiosas.
Vários fatores passaram a influenciar o fracasso a conclusão de "SMiLE" a partir daquele ponto. O litígio com sua então gravadora Capitol fez com que o clima de produção fosse bastante prejudicado. Os Beach Boys queriam romper com a gravadora para iniciar seu próprio selo, a Capitol em contrapartida exigia o próximo disco e encaminhava encartes e divulgação. A pressão sobre Wilson era grande e viria a piorar quando os outros rapazes retornaram de sua turnê para gravar as faixas vocais do projeto. Notoriamente uma banda tradicional, os Beach Boys entraram no estúdio com uma grande interrogação quanto ao que Brian e Parks haviam produzido naquele período, ficando então incrédulos quanto ao que ouviam nas gravações. As letras que antes tematizavam sobre surfe e garotas davam lugar a poesias sem nexo sobre uma saga americana, numa linguagem que nem Parks (desafiado pelo Beach Boy Mike Love) conseguia explicar. O lado musical também se mostrava complicado, antagônico ao que os Beach Boys tinham sido até aqueles dias. Um incontável número de fitas com inúmeros trechos de músicas mostravam o trabalho como um grande quebra-cabeças que seu criador acreditava saber encaixar. Na verdade, os Beach Boys confiavam na batuta de seu líder, tendo se empenhado em produzir as melhores faixas vocais possíveis mesmo que às vezes contrariados.
Talvez a maior questão determinante do fracasso de Brian Wilson em concluir "SMiLE" tenha sido o uso de drogas. Wilson enfiou a cabeça em ácidos lisérgicos, substâncias em moda no círculo artístico da época. O clima das gravações apresentou momentos estranhos, como a exigência de Brian para que os músicos utilizassem capacetes de bombeiros nas gravações da música "Ms. O' Leary's Cow - Fire". Havia também um balde com madeira em chamas para espalhar fumaça dentro do estúdio. Nas gravações de "Vega-Tables" (seção onde Paul Mcartney adentrou os estúdios e participou) Wilson solicitou aos músicos que mastigassem vegetais no compasso da música, efeito que ele incorporaria à canção final. Há depoimentos curiosos em que os Beach Boys foram munidos de focinhos de porcos para que rastejassem pelo chão imitando sons de suínos. Em "George Fell Into His French Horn" foi gravada uma conversa entre os músicos de sopro, em que eles não só proferiam frases através de seus intrumentos como emulavam risadas e conversas. Brian havia solicitado para que eles produzissem um diálogo entre trumpetes. O próprio Brian admitiu ter abandonado a citada "Fire" após concluir que sua canção teria provocado incêndios em Los Angeles. Segundo ele, ao se deparar com duas ou três notícias de que incêndios haviam ocorrido na região, Brian automaticamente ligou os fatos às suas duas ou três audições da faixa "Fire" (que emulava sons de sirenes e chamas de fogo) e atribui a ela a responsabilidade pelo fogo iniciado.
Toda essa atmosfera lisérgica e complicada culminou numa crescente dissociação do projeto. A pressão da Capitol, a inadequação dos outros Beach Boys, o saída do contrariado Van Dyke Parks, a imensa dificuldade de chapado Brian em unir as partes das músicas de forma coerente fizeram com que, em abril de 1967 fosse anunciado o fim do projeto.
O legado desse conturbado período reside em inúmeras fitas com as gravações, que permaneceram enclausuradas de 1967 a 1988. Foi quando a Capitol Records solicitou a Mark Linnet, engenheiro de som de Wilson, que voltasse sua atenção às fitas e entregasse sua versão do que seria "SMiLE". O trabalho de Linnet pode ser verificado nas 12 faixas incluídas na caixa de 1993, "Good Vibrations: 30 Years Of The Beach Boys". Paralelamente, um incontável número de discos piratas jogou no mercado os fragmentos trabalhados por Wilson naquele período. É com esse material que "SMiLE" transformou-se em um dos fenômenos mais ímpares do rock.
Há hoje um incontável número de páginas e listas dedicadas ao evento. Teorias de como seria a obra final, histórias cobrindo a época, receitas de como montar seu próprio disco, fórums debatendo os mais inusitados assuntos insitem em manter a chama acesa. Montar sua própria versão do álbum é uma febre entre os apreciadores de "SMiLE". As múltiplas versões de cada música, os trechos que podem ser utilizados perfeitamente em mais de uma canção, a indecisão quanto a quais músicas seriam aproveitadas por Wilson fazem com que os fãs dediquem linhas e linhas à interminável busca pelo "SMiLE" perfeito.
Quanto aos Beach Boys, eles levaram os anos seguintes com menos genialidade. Sem o auxílio de Brian, os rapazes encontraram problemas em adaptar seu som às novas tendências e passaram a ser vistos como coisa do passado. Lançaram "Smiley Smile", um "SMiLE" regravado aos moldes dos outros Beach Boys e uma grande frustração junto ao público. O álbum contou com um Brian Wilson desleixado e desinteressado entregando rascunhos mal-acabados de faixas originais de "SMiLE". Lançaram ainda mais alguns bons álbuns ("Friends", "Sunflower") mas não conseguiram reviver seus momentos célebres de "Pet Sounds", sendo taxados de artistas de um clássico só. Vários discos solos foram gravados e os irmãos de Brian, Carl (guitarra) e Dennis (bateria) faleceram, restando Carl e Mike.
Brian Wilson optou pelo ostracismo, pediu afastamento da banda e da vida pública e passou recluso em sua cama por pelo menos 3 anos e meio. Incomunicável, drogado e frustrado com o resultado de sua carreira, ele voltou a contribuir com o Beach Boys nos anos 70, de forma tímida e afastada de sua genialidade de 1966. Nos anos 90 apresentou-se recuperado e apto a se apresentar ao vivo. Lançou discos solo, faz turnês disputadas mas é hoje uma pessoas seqüelada pelos anos de uso de drogas e de grande instabilidade emocional.
Quanto a "SMiLE", ninguém sabe afirmar se Brian um dia sentará em uma mesa de som para entregar sua versão definitiva. Ele vêm comentando nos últimos tempos que o fará, mas ainda não mostrou resultados concretos. Talvez seja interessante que a obra fique como está, pois todos concordam que o músico não é mais o mesmo e provavelmente não entregaria o mesmo produto de 1967. Enquanto nada acontece, há material suficiente para o fã se deliciar com as aventuras sonoras daquele período e arriscar um Brian Wilson cover ao montar seu próprio "SMiLE".


Serviço:

* livros:
Look! Listen! Vibrate! Smile!: O autor Domenic Priore escreveu uma bíblia sobre o assunto, recheada de fatos ocorridos no processo de gravação e teorias sobre o fim do projeto e possíveis versões do disco.

* sites:
SMiLE Links: Uma lista imensa com links para artigos e material na internet sobre o assunto.
The SMiLE Shop: Um dos sites mais visitados.
SMiLE Shop message board: Fórum com inúmeras discussões para você participar.
Mojo SMiLE: Scans de uma bela reportagem da revista Mojo.

* discos oficiais:
Smiley Smile: O disco que sucedeu o frustrado projeto encarnou versões simplificadas do que as canções seriam. Com arranjos toscos, músicas transformadas e indiferença do então recluso Brian Wilson, o álbum é um rascunho distorcido e sintetizado do álbum original.
Good Vibrations: 30 Years Of The Beach Boys: Um caixa de 1993 contendo uma revisão na carreira do grupo. Inclui 12 faixas especialmente compiladas pelo engenheiro de som Mark Linnett com sua versão do que seria o "SMiLE" de Brian em 1967. Belo trabalho da Capitol.

* bootlegs:
Há dezenas de bootlegs que cobrem essas gravações, alguns relevantes e outros pouco inovadores. Abaixo há algumas sugestões para quem quiser começar.
SMiLE (Vigotone records): Um dos mais procurados bootlegs, inclui faixas das fitas de 1988 que a Capitol enviou para Mark Linnet trabalhar em cima.
Heroes And Vibrations (Vigotone records): A Vigotone reuniu sobras de gravações de duas das principais músicas do projeto – "Heroes And Villains" e "Good Vibrations". Bom para entender o método de gravação de Brian.
Unsurpassed Masters vol. 16 (Sea Of Tunes records): mais uma versão para o que seria o álbum. Recomendada.
Unsurpassed Masters vol. 17 (Sea Of Tunes records): 3 CDs e mais de 3 horas de estúdio cobrindo as gravações.
Lei'd In Hawaii (Vigotone records): Ensaio de um do último show de Brian com os rapazes antes de seu longo período de reclusão .Tem "Heroes And Villains" com um ácido e irônico discurso em que Mike Love mostra todo seu desprezo pelo material.

* videos:
An American Band/I Just Wasn't Made For These Times: Clássico agora em DVD, esse 2-em-1 possui dois materiair distintos. O primeiro é um clássico documentário sobre os Beach Boys, agregando toda a carreira da banda. Embora dotado de partes constrangedoras (a apresentação e narração pré-ensaiada com os membros da banda, as montagens e dublagens porcamente feitas), o documentário tem imagens ótimas e tem valor por contar em 90 minutos a trajetória dos caras. Tem trechos sensacionais como o promo film de "Pet Sounds", Brian Wilson em sua casa ao piano destilando "Surf's Up" e um promo para a música "Fire" (com os famosos capacetes de bombeiro). Traz ainda entrevistas com Wilson durante o período em que ele se refugiou na sua cama, onde o mesmo permite demonstrar seu estado bizarro daquela época.
O segundo momento cobre a carreira de Brian desde o início dos Beach Boys. Gravado num momento pós-recuperação, inclui declarações de artistas e pessoas ligadas a ele. Permite-nos ver também o estrago que as drogas fizeram no cara, hoje um seqüelado balbuciante.

Project SMiLE : Alguns fãs de Beach Boys tiveram a excelente idéia de reunir em um CD-ROM uma boa gama de material referente ao álbum. MP3s, artigos, fotos, informações – uma pequena enciclopédia para localizar qualquer um no assunto. O CD-ROM é distribuido gratuitamente, na base da troca via correio.

Ufff... é isso. Espero que tenha gostado.

ouvindo: The Beach Boys - "Look"

22.5.03
 
Blogs têm dessas coisas: o sujeito fica sem tempo para respirar e o trem tranca.

15.5.03
 
Chega de espera!
Ventura, o aguardadíssimo terceiro álbum do Los Hermanos, anunciado para a próxima segunda-feira já está nas lojas. Eu comprei o meu, já estou na terceira audição. É obviamente cedo para tecer primeiras impressões a respeito da álbum. Acho que todos que acompanharam o Bloco e foram a algum show deles estão esperando um material seguro, descompromissado e, por que não, arrojado. É Los Hermanos cada vez mais longe de "Anna Júlia". O que eu vou deixar dito após duas escutadas é que é mais rock, mais guitarra, menos Brasil - sem que isso signifique uma americanização deles. Está, na verdade, menos folclórico - se o Bloco era o carnaval talvez o Ventura seja a ressaca (?). Há menos trabalho com o naipe de metais, mas quando esses entram, cumprem com tarefa essencial para o andamento das faixas. Se o Bloco remetia a músicas antigas, marchinhas, Ventura traz esse ambiente para os dias de hoje. Eu gosto que no Bloco o encarte ajuda a dar aquele ar de coisa velha, de gente nova criando em cima de coisa velha. E o Ventura não me remete a isso.
Há várias letras excelentes, destaque para "O Vencedor". Há muitas vertentes sonoras, assim como no havia Bloco - há também em Ventura teclados e efeitos artificiais em abundância. As minhas faixas prediletas, nesse momento, são "O Velho e o Moço", "Conversa de Botas Batidas", "Do Sétimo Andar" e "De Onde vem a Calma". É certo que vai agradar aos fãs do Bloco e pode sim conquistar a atenção de quem gosta de rock (espera aí, por que diabos o Bloco não conquistou?). A nossa banda nacional predileta-de-todos-os-tempos segue sendo a predileta.

Que dia... Polyphonic Spree e Los Hermanos fresquinhos. Que dia.

ouvindo: Los Hermanos - "O Velho e o Moço"

 
Salve!
Estou escutando nesse momento, pela primeira vez, o tal CD do Polyphonic Spree, aquele coral em que você já ouviu falar por aí. E pior é que o som é mesmo tão afudê assim como falam. Muito mais negócio que essas novas maravilhas posudas que tão tentando nos empurrar.


ouvindo: The Polyphonic Spree - "Middle Of The Day"

12.5.03
 
Santos céus! O sistema de comentários saiu mais uma vez do ar. Já estou afiando minha guilhotina.

ouvindo: Los Hermanos - "Cadê teu suin-?"

11.5.03
 
Esses dias, visualizei uma cena antológica. Uma criança de 7 anos, ao deparar-se com sua avó encaixando um disco de vinil em um combalido 3-em-1, berrou na sala de estar: "Vó! O que que é isso?". Incrível. Nunca pensei que fosse testemunhar esse confronto de costumes assim. Tinha, de alguma maneira, certeza que as gerações mais novas ao menos sabiam para que um disco de vinil servia.
Essa situação me chamou atenção depois que lembrei de um post do Jonas em que ele questionava as mudanças que o MP3 trouxe na maneira de se escutar música e na forma como as pessoas passavam a encarar um trabalho artístico. Segundo ele, o espírito de colecionador, a inigualável sensação de se aguardar o lançamento de um CD, de escutá-lo pela primeira vez munido de letras e encartes oficiais estavam se extingüindo, perdendo o valor para as pessoas. E, de fato, não posso deixar de concordar com ele.
Aprofundando no assunto, podemos chegar a conclusão que esse processo viu sua primeira encarnação com o advento do CD. O CD, embora extremamente competente em popularizar a música como produto, foi um ato maquiavélico para o amante da música colecionável. Vinis com capas duplas, fotos gigantes, cores, cuidado gráfico deram lugar a um espaço de 12x12cms em que às vezes mal se pode enxergar as letras. O cuidado com a agulha, a armazenagem, o som característico resumiram-se a um simples "play". A própria capacidade de programar faixas, de evitá-las com um simples toques encoraja o ouvinte a limitar uma audição a suas faixas prediletas, algo menos corriqueiro com vinis e K7s. As pessoas tendiam a escutar o trabalho todo, parando apenas para trocar a fita/o disco de lado.
Não sou, na verdade, um detrator do CD - muito pelo contrário - gosto do formato, do som, e aprecio sua portabilidade (o volume menor facilita sua compra pela internet, por exemplo). Mas acredito que com o CD, as pessoas passaram a enxergar discos cada vez mais como produtos ao invés de vê-los como obras de arte. E isso foi, até um momento, excelente para as gravadoras que inundaram o mercado com todo e qualquer tipo de artista considerado vendável. CDs ocupam menos espaço, são mais fáceis de serem transportados, têm um som mais cristalino, são mais rápidos para serem fabricados e custam menos. Mas, o que eles nunca imaginaram é que esse formato foi o pontapé inicial para que o consumidor desvalorizasse as artes gráficas e o sentimento de cumplicidade com um disco. O CD é mais impessoal em relação ao vinil, assim como o MP3 é extremamente descartável em relação a um CD oficial. MP3s, para nós humildes brasileiros podem ser a redenção, a única maneira de descobrir o som do Rapture. Mas é também o veículo para se tratar álbuns com menos importância, afinal não há arte gráfica, não há cheiro de papel, de tinta. Sequer se coloca na player. E, lembre, não se paga por ele. O MP3 não obriga que o ouvinte persista em uma música ou em um artista (algo que ocorre com um CD comprado - a gente tende a insistir em um disco para justificar os 20 e tantos reais aplicados nele).
No final das contas, fica a questão: Será que música é só o que vale? Será que é apenas o registro de um conjunto de sons que importa? O que vale um encarte bem feito, o que vale uma coleção de discos na prateleira? O que vale uma comunicação gráfica que, muitas vezes, complementa uma obra musical? Assim como uma criança de 7 anos desconhece um disco de vinil, será que as próximas crianças desconhecerão uma embalagem de CD?

Para finalizar, chegou meu CD do Tomahawk, "Mit Gas". Conteúdo bala, embalagem impressionante. É a gravadora independente investindo na qualidade total. Já adicionei ao meu playlist do final-de-semana.

ouvindo: Kid606 - "Secrets 4 Sale"

9.5.03
 
Assiti numa edição do Jornal da MTV desta semana um trechinho da passagem de som que as Breeders fizeram em Curitiba. Deu uma saudade desgraçada dos tempos em que essas bandas estavam na ativa, capitaneando o mainstream musical. Deu até um bom arrependimento de não ter ido até o Paraná conferir o (curto, dizem) show delas. Já não se faz mais guitar rock como nos anos 90, pelo menos no que diz respeito a integridade musical. Strokes, White Stripes, Hives e similares fazem trabalhos que transitam entre o ruim e o médio, alguns deles ainda ensaiam momentos agradáveis. O Interpol até que se destaca, tem um trabalho mais interessante. Em comum, há o sentimento de que essas bandas vão passar batido pelos nossos CD players, que daqui a 5 anos teremos poucos ouvintes tirando o pó desses CDs para escutá-los novamente. Já bandas dos 90 como o Teenage Fanclub, o Nirvana, o Pixies (80-90) - só para citar alguns - eventualmente visitam a bandeja de meu toca-CDs. Evidentemente existe todo o afeto com o som que embalou minha adolescência, a marca. Mas, tentando analisar friamente, as músicas que embalaram aqueles dias são naturalmente superiores e mais definitivas que as que vêm aparecendo. Paralelamente, as bandas tinham menos pose e pretensões artísticas do que as que aparecem hoje. Tudo bem que o som do White Stripes é legal(zinho), mas o pretensionismo estético dos caras se sobressai no balanço final. Curiosamente, bandas como Flaming Lips que gozam de inigualável prestígio nos dias de hoje meio que mantém a chama daquela geração acesa, chegando ao ponto de tocar ao vivo com o vocalista do N-Synch no baixo. Assim, natural e desprensiosamente. E todo mundo acha legal. A diferença é que esses caras não precisaram de grandes milagres de marketing nem de super-produções para chegar aos primeiros lugares das paradas. Escutando um álbum deles hoje, conclui-se que o mérito está na integridade das bandas, no pouco caso com a ambição e na próprio resultado musical. Seus trabalhos podem não ser perfeitos, mas são íntegros e aparentemente livres de jogadas extra-musicais. Não estou também defendendo os anos 90 como a melhor década da história, mas apontando o descréscimo de qualidade ocorrido na nova década que chegou.
Se você compartilha dessas opiniões, vai aí uma pequena amostra de alguns álbuns que marcam essa supremacia e que vão embalar, motivado por esse post, meu fim-de-semana:
Mudhoney - "Every Good Boy Deserves Fudge"
Pavement - "Slated And Enchanted"
Sparklehorse - "Vivadixiesubmarinetransmissionplot"
Teenage Fanclub - "Bandwagonesque"
The Breeders - "Last Splash"
The Flaming Lips - "Transmissions From The Satellite Heart"
The Pixies - "Trompe Le Monde"

ouvindo: The Breeders - "Divine Hammer" (bela para uma sexta-feira de frio)

7.5.03
 
The Smashing Pumpkins - "The Aeroplane Flies High" (1996): O ano é 1996 e o The Smashing Pumpkins é talvez a mais renomada banda de rock do momento. Após percorrer modestos e tortuosos caminhos indies ("Gish"), surtar com o repentino e incontrolável estrelato ("Siamese Dream") e alcançar todos os postos ambicionados já por um músico ("Mellon Collie And The Infinite Sadness"), os Pumpkins usaram do interesse comercial de sua gravadora (que faturava horrores mundialmente com seu disco duplo) e jogaram no mercado uma caixa com sobras de seu álbum bem sucedido. "The Aeroplane Files High" é uma coleção dos 5 singles editados na época de "Mellon Collie And The Infinite Sadness", CDs estes bombados com faixas inéditas antes ausentes nos próprios singles originais.
Na compilação de b-sides anterior, "Pisces Iscariot", os Pumpkins já mostravam uma grande qualidade geral em suas composições, sendo um bocado complicado ter de guilhotinar faixas excelentes como "Hello Kitty Kat" ou "Obscured". Ao se escutar os b-sides de sua obra, o fã naturalmente conclui que o sentido de completude do trabalho deles fica bastante prejudicado quando se abre mão de canções tão fantásticas como as que figuravam naquele álbum. Billy Corgan já havia declarado, logo após o lançamento do multiplatinado "...Sadness", que tinha material suficiente para fazer pelo menos mais um duplo, cerca de 40 canções que segundo ele poderiam facilmente penetrar no mercado. A Virgin Records, sabedora do potencial da banda naquele momento e da bela receptividade do público, viu cifrões no horizonte e bancou a idéia de colocar essas faixas em uma única embalagem. O conjunto de 5 CDs saiu então no momento certo acomodado em uma caixas nos moldes das antigas caixinhas porta-vinil.
No ponto auge de seu desenvolvimento como compositor, Corgan realmente tinha uma bela coleção de canções que ficaram de fora de "Mellon Collie", músicas estas que trafegavam por todos os territórios explorados no disco duplo. Em um modo geral, a maioria das faixas estão em um ponto onde determinado nível produção lhes foi dedicada, sendo que algumas se apresentam em um estágio final, dando impressão que só não atingiram o álbum original por questões de prioridade. Há ainda faixas com aparência demo, rascunhos caseiros descompromissados.
Do primeiro single, "Bullet With Butterfly Wings", destaca-se a bela e indiscutível cover do guitarrista James Iha para "A Night This", do Cure. Há ainda uma série de covers gravadas por Corgan em uma sessão pós-MCIS onde o tom é centrado nas batidas eletrônicas e produção parsa. Alice Cooper, Blondie, Cars e Missing Persons ganharam roupagem eletrônica, antecipando a guinada de concepção sonora que os Pumpkins viriam a adotar.
De "1979", talvez o mais reputado hit da carreira deles, tem-se uma coleção de faixas suficientemente produzidas. "Ugly" , "Cherry" e "Set The Ray To Jerry" são excelentes amostras da excelente fase que Corgan atravessou como compositor. Nessas faixas constata-se que toda a beleza e perfeição melódica de Billy funciona mesmo com poucos recursos e combinações de instrumentos. É Corgan no seu auge despido de produções adicionais. James Iha entrega duas músicas com roupagem acústica, tendência que viria a se confirmar em seu álbum solo de 1998.
"Zero" recebe b-sides de peso, coerentes com a faixa que os encabeça. "God" estava pronta, não sei porque foi cortada do álbum uma vez que foi apresentada ao vivo em um preview que o Pumpkins deram em Chicago, 1994. "Tribute To Johnny" e "Marquis In Spades" concedem peso à habitual melancolia do vocalista e são prediletas de muitos fãs. Uma balada de redenção, "Pennies", percorre caminhos de guitar-alternativo. E o inusitado "Pastichio Medley" combina uma série de trechos de gravações em estúdio, basicamente uma colagem de jams (vários destes trechos foram mais tarde revelados em sua integridade por Corgan através de 2 CDs distribuídos em círculos de traders).
"Tonight Tonight" é acompanhada de outras 6 belas baladas, marcadas pela falta de produção. Billy, seu violão e uma ou outra bateria eletrônica. "Medellia Of The Grey Skies" e "Rotten Apples" são de um lirismo impressionante, com Corgan transmitindo toda seu sentimento para a interpretação. A parte romântica e angustiada da caixa.
O último CD, "Thirty-Three", compila faixas que não combinam entre si, como uma combinação do que restou na panela. Mesmo assim, há a pérola musculosa "The Aeroplane Flies High" (a música) e uma despedida ao piano em "My Blue Heaven".
Esta caixa é um exemplo de que, se bem conduzidas, as iniciativas capitalistas das gravadoras podem produzir itens supreendentes. Seria um desperdício deixar tantas belas músicas fora do alcance do ouvinte e tanto a banda como a gravadora se esmeraram em produzir um item à altura do momento. A caixa teve, segundo comentários da comunidade "pumpkiana', boa aceitação e pode ser encontrada até os dias de hoje no mercado. A própria Virgin brasileira importou vários exemplares para servir o mercado nacional. Apesar do preço significativo, "The Aeroplane Flies High" não só complementa a maior obra dos Pumpkins como oferece momentos altos de toda sua carreira. Ao contrário de muitos artistas que tiveram seus momentos reduzidos a fitas abandonadas em velhs porões, os Pumpkins receberam espaço para dissecar o seu momento mais iluminado.


ouvindo: The Beach Boys - "Child Is The Father Of The Man"

6.5.03
 
O sistema de comentários "Fala Sério" voltou ao ar, justamente quando eu estava prestes a descer a guilhotina nele. Portanto, deixe o verbo rolar.

5.5.03
 
Ei!
Segunda-feira, 19 de maio de 2003 - nas lojas (oficialmente):


Espero que você não seja um sovina fdp e pelo menos compre o CD para dar uma mão aos caras. Que você queime CDs importados com preços absurdos até vai, mas Los Hermanos é talento nosso e justifica os 25 contos que deverá custar.

ouvindo: The Beatles: "The Fool On The Hill" (demo)

 
O tal sistema de comentários "Fala Sério" está mais uma vez fora do ar. Aceito sugestões em relação a bons serviços alternativos (e gratuitos) para substituir o problemático. A uns tempos atrás eu andei pesquisando outros serviços, mas a maioria estava fechada para receber novos cadastros. E-mail me e me ajude.

 
Sai amanhã, nos EUA, o novo CD do Tomahawk, "Mit Gas". Mr. Pazzo com sua Ipecac a todo gás, não?

3.5.03
 
Attention please! O Senador Diego Medina está comercializando o CD demo de um de seus novos projetos, a banda Os Massa. São 9 músicas, 55 minutos e 51 segundos de som regados a álcool. Tem, no mínimo, Medina e Thomas Dreher - convenhamos - o mínimo para você se mostrar interessado. Eu tenho algumas outras demos caseiras dos caras e é uma boa pedida para quem tem interesse em música anti-convencional. Eu vou comprar o meu, manda um e-mail para o cara e encomenda o teu também (precinho camarada, é só chegar). Se estavas com saudade da Video Hits, vai degustando um aperitivo com os Massa. Neo-psicodelia-experimental-bebum-kralho-a-4-gaúcha garantida.


ouvindo: The Beatles - "Lady Madonna"

 
The Cardigans - "Long Gone Before The Daylight" (2003): O Bruno Medina, tecladista do Los Hermanos, escreveu a um tempinho atrás em seu blog que o novo CD dos Cardigans estava decepcionante. Ele havia escutado o som no site da MTV, que disponibilizou as 11 novas músicas em streaming media. Segundo o Bruno, fã declarado dos primeiros trabalhos da banda, os caras tinham perdido toda o brilho característico, aquela mescla de instrumentos e arranjos sofisticados que remetiam aos climas nórdicos europeus. Confesso que de certa forma aquilo me surpreendeu, pois me identificava com a visão que o Bruno tinha dos primeiros discos deles. E se alguém que pensava como eu já avisava que a coisa não tinha vindo bem, fiquei então bem desconfiado. Definitivamente, os Cardigans tinham algo especial que só os fãs da banda conseguiam explicar. Embora altamente comercializados em um determinado ponto de sua carreira ("Lovefool", lembra?), a banda colecionou em seus três primeiros discos um misto de pop simples e agradável com arranjos e estruturas melódicas características. A voz/imagem de Nina Persson davam um toque de suavidez incrível, temperos esses que incrementavam o fator inusitado a canções como "Iron Man" do Black Sabbath (interpretados pelos caras como um soft trip-hop cheio de toques refinados). Pop refinado, esse era o velho Cardigans.
Quando "Gran Turismo", de 1998, saiu, o Cardigans passou a mostrar algumas interferências em seu pop sueco ímpar. Com fortes doses de eletrônica (tendência esta que passava a se destacar na Europa), o álbum abria um pouco a mão dos sopros e dos arranjos orquestrados para definir um Cardigans mais moderno, vestindo suas canções com elementos novos embora comuns em relação ao que se estava fazendo no cenário da época. Mesmo assim, o espírito, a unicidade da banda estava lá, irretocável.
Nos 5 anos que se passaram entre "Gran Turismo" e este novo álbum, a banda sumiu do mapa. Ninguém ouviu falar nada sobre eles, o website dos caras vivia em constante manutenção. Ano passado, a vocalista lançou um belo trabalho solo chamado "A Camp" e o baixista Magnus Sveningsson lançou-se como um tal de Righteous Boy (que ainda não conferi). Mas de Cardigans, nada.
E foi no fim de 2002 que eles colocaram no ar um diário de gravações em que ilustravam com fotos e histórias o processo de criação do novo álbum. A atmosfera que cobria aqueles posts parecia ótima, o grupo gravava em locais simples, isolados, que incluíam até belas paisagens espanholas. Tudo indicava que viria aí um grande e redentor trabalho, que os cinco integrantes se reuniriam para produzir canções no mesmo nível de clássicos como os de "First Band On The Moon". Mas aparentemente algo deu errado no meio do caminho.
O primeiro single, "For What It's Worth" é competente apenas. Os b-sides daquela canção não dizem ao que vêm, não há toques de grandiosidade em qualquer uma das três faixas. Isso foi um sintoma, mas, entre o lançamento do single e do álbum, deu ainda para esperar por algo melhor, uma vez que b-sides em alguns casos são apenas b-sides. Mas o CD chegou e os meus últimos suspiros de esperança foram em vão. Bruno estava certo: o novo álbum é o pior da carreira deles. Composto de canções fracas, algumas entediantes até, o CD traz uma proposta orgânica, simples ao extremo. Baixo, guitarras, violões, bateria e teclados - tudo sem grandes inovações ou exigências de qualidade. A primeira impressão que dá é que os caras estavam em baixa temporada quando compuseram as músicas. Recheado de baladas esquecíveis, burocráticas, a sensação de tédio não demora muito a aparecer. "Communication" é, dentro do conjunto, melhorzinha. Mas deveria ser exemplar único dentro do álbum, que teima em fixar sua fichas no clima deprê. Em duas tentativas mais rocker ("A Good Horse" e "Live And Learn"), o Cardigans não repete o resultado de belezas como "Erase And Rewind" ou "My Favorite Game", acabando por soar como um Roxette. Nem a participação dos caras dos Hives consegue imprimir qualquer relevância ao resultado final. O restante das faixas são calmas, repetitivas e pouco inspiradas. Transmitem pouco ao ouvinte e principalmente ao fã de longa data. A produção é às vezes um pouco sobrecarregada, embora bem feita e cristalina, encorpando um pouco o som mas incapaz de agregar qualidades ao mesmo.
Existem CDs que não descem em um primeiro momento, a gente tende a deixar ele umas duas semanas parado para então iniciar uma busca pelas qualidades ali contidas, escondidas. Muitas vezes, surgem surpresas interessantes e muitos dos bons CDs que já escutei passaram por esse processo de maturação. Infelizmente, já consegui concluir que o novo trabalho do Cardigans não vai entrar nessa lista, não tem nada demais escondido naquele discquinho de plástico. Uma pena, pois era uma de minhas bandas prediletas. A Camp, trabalho solo da Nina em conjunto com o Sparklehorse Mark Linkous, obteve resultados bem melhores. Talvez seja por aí a saída para o futuro da banda.


ouvindo: The Beatles - "You've Got To Hide You Love Away"